quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

prêmio Dardos


Ganhei o prêmio Dardos da Iêda, que foi minha professora de faculdade e hoje minha amiga e blogueira do Vida Bailarina. Fiquei muito feliz pelo presente. Um reconhecimento bacana. Segundo Iêda, "eu gosto muito de ler seu blog, sempre tem dicas muiiito legais". Obrigada! O selo representa o reconhecimento dos valores que cada blogueiro tem. Sejam eles éticos, literários, pessoais, profissionais, etc. Mas, para recebê-lo é preciso cumprir regras:


1- Exibir a imagem do selo;

2-Linkar o blog pelo qual você recebeu a indicação;

3-Escolher 15 outros blogs a quem entregar o Prêmio Dardos;

4-Avisar todos eles.


Logo mais divulgo a lista dos 15 que vou premiar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

brasil brasileiro


Brasil, meu Brasil brasileiro,
meu mulato inzoneiro
vou cantar-te nos meus versos
o Brasil samba que dá
bamboleio que faz gingar
o Brasil do meu amor,
terra de nosso senhor
Brasil pra mim, Brasil pra mim

ah! abre a cortina do passado,
tira a mãe preta do serrado,
bota o rei congo no congado
Brasil pra mim, Brasil pra mim
deixa cantar de novo o trovador,
América olha a luz da lua
quando é canção do meu amor
quero ver essa dona caminhando
pelos salões arrastando o seu vestido rendado
Brasil pra mim, Brasil pra mim

Brasil terra boa e gostosa
da morena sestrosa
e de olhares indiscretos
o Brasil samba que dá ...

ah! esse coqueiro que dá coco
onde amarro a minha rede
nas noites claras de luar
Brasil pra mim, Brasil pra mim
ah! ouve essas fontes murmurantes
onde eu mato a minha sede
e onde a lua vem brincar
ah! esse Brasil lindo e trigueiro
é o meu Brasil, brasileiro.
terra de samba e de pandeiro
Brasil pra mim, Brasil pra mim


Inspirada na famosa composição de Ary Barroso, a exposição Brasil Brasileiro - Nossa Terra, Nossa Gente, está em cartaz até o dia 4 de janeiro de 2009, no Centro Cultural Banco do Brasil, o CCBB. A apresentação comemora os 200 anos da chegada da família real e da fundação do Banco do Brasil. O objetivo de Brasil Brasileiro, que ocupa o térreo, o subsolo e mais três andares do edifício na região central de São Paulo, é mostrar "a cara" do nosso país, por meio da pintura, nesses dois últimos séculos. Logo na entrada há uma instalação do artista Nelson Leirner (foto acima). No subsolo está o tema nossa lutas, com telas que representam a opressão, a fome e a miséria dos nordestinos, a greve dos operários do ABC paulista e a ditadura militar. Nesse mesmo espaço, existe uma sala intitulada laboratório de criatividade, com canetinhas, lápis de cor, giz de cera e papel. É o lugar para sentar-se e expressar o que quiser sobre o Brasil. As cinco paredes da sala já estão completas, o pessoal soltou o verbo, literalmente. Há poucas telas expostas no primeiro andar. "Os trabalhos desse andar vieram de Recife e não puderam ficar numa sala com ar condicionado, porque a tinta não reagiu bem", explicou uma funcionária do local. Assim, o primeiro e o segundo andar se completam, no que se refere ao subtítulo da exposição. Nossa terra, nossa gente, no primeiro andar, retrata o maracatu, os objetos de uma casa recifense e um engenho, igual ao descrito e desenhado por Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala. A maioria das pinturas é do pernambucano Cícero Dias.
As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti. As palavras do mestre Cartola foram colocadas ao lado de uma parede com telas de vasos com flores, com leituras de artistas diversos. Apenas uma, também de Cícero Dias, mostrava outro ângulo do tema, com mulheres colhendo flores. Frutas e animais, o amor, o trabalho em família e uma série de retratos, de casamento, da mãe amamentando o filho, da senhora segurando uma cesta com cacau e de outra senhora sentada numa cadeira, da cozinha, provavelmente, com uma fazenda ao fundo. Há outros retratos que exibem a vida do caipira, do pescador e do homem do sul.
Outra parede, dedicada ao futebol, conta com as palavras da música de Samuel Rosa e Nando Reis. Quem não sonhou ser um jogador de futebol?. Quadros de torcidas organizadas, da partida em si e até mesmo um de Portinari, em que um garoto segura a bola com o pé, com semblante zangado, enquanto outros dois olham para ele, deixando a entender que trata-se do "a bola é minha e ninguém vai mais brincar", atitude corriqueira nas peladas entre crianças e adolescentes. Para terminar esse andar, comento a tela que mais gostei. Chama-se Churrasco no quintal, de Sergio Vidal, feita em 2007. São tantos detalhes que parece uma fotografia. Mar, namoro escondido, pipas, fusca azul, crianças comendo fruta do pé, gato, cachorro, galinha, pintinhos, homens tocando samba, mulheres arrumando a comida e a cerveja. Esses são os principais elementos de Churrasco no quintal, que remete a um desses churrascos que fazemos em nossa casa, com uma diferença peculiar. O churrasco é só de peixe! No último andar, o terceiro, nossos sonhos fala da religiosidade, com releituras de Adão e Eva, da Santa Ceia, da Virgem Maria e das procissões. Além disso, fala-se também de festas, brincadeiras e hábitos, como soltar balão, empinar pipa, pular o carnaval, dançar, ir à casa de prostituição, cantiga de roda, parque de diversões e circo. Visitar essa exposição é uma das maneiras de reafirmar a nossa identidade cultural e refletir sobre a produção dos nossos artistas.
Serviço
O quê: a exposição Brasil Brasileiro
Onde: no CCBB (rua Álvares Penteado, 112, próximio ás estações Sé e São Bento do metrô)
Quando: até 4/01/09, de terça a domingo, das 10h às 20h
Quanto: gratuito
Contato: (11) 3113-3649

oras bolas


Paulo tem pouco mais de 20 anos. Já trabalhou como operador de telemarketing, mas não era apaixonado pela função, a realizava para manter o custo dos estudos. Dramaturgia, consciência corporal, interpretação. O jovem com jeito de menino estudou teatro. Sorri mostrando todos os dentes e garante. "É meu sonho". Conhecer o personagem, mergulhar em suas emoções e dar o melhor de si. Durante a semana, incansáveis horas de treino, para aos sábados e domingos, levar fantasia e magia para o universo infantil do espetáculo Oras Bolas, em cartaz até o dia 21 de dezembro no Teatro da USP, o Tusp. Dança, música, arte cênica, brincadeiras e animações são encenadas pelos seis atores na primeira montagem da Cia Noz de Teatro, Dança e Animação, sob o mote bolas. Bolas de vários tamanhos, cores e materiais. Bolas que voam, que pulam, que ficam na cabeça, que são passadas de mãos em mãos num jogo que exige concentração e habilidade. Os personagens pouco falam. A sonoplastia, o movimento dos corpos e as expressões dos atores dão o tom em Oras Bolas. As crianças (e os adultos!) se deixam levar, vão junto com as bolas e com os outros objetos geométricos, como o Menino Quadradinho e a Menina Triângulo. Explorando o recurso da luz negra, o Menino Quadradinho se transforma num robô e os outros integrantes, que manipulam bolas e bolinhas, criam um outro personagem, que mexe pernas e olhos. Um dos momentos mais bonitos do espetáculo. A confecção do cenário e o figurino foram produzidos pelo elenco, que utilizou armação de guarda-chuva, garrafas pet, isopor, entre outros. Além disso, aprenderam a costurar as próprias roupas. Com uma infância cada vez mais veloz, estimulada pela sexualidade, violência e informação guela abaixo, Oras Bolas é uma opção que lembra pula corda, bola de gude e bolo de vó.

a formatura

No último sábado, dia 6, aconteceu a formatura dos futuros contadores de história, incluindo essa pessoa que aqui escreve. A minha idéia era escrever um texto, um conto ou talvez um poema sobre esse acontecimento tão importante. Mas, meu querido amigo Ricardo, já o fez. Com sensibilidade e riqueza de detalhes, A Arte de Contar História. Confira!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

a casa

Os contos populares e os de tradição oral resistiram até este século porque nunca deixaram de contá-los ou escrevê-los. Como um objeto precioso, fazem parte da memória de uma sociedade. Eu quero fazer o mesmo com aquela casa. Quando penso que um dia posso esquecê-la, percebo a necessidade de preservá-la. Por enquanto, será um registro escrito, aqui neste espaço. Para quem sabe, daqui uns pingos de chuva, se materializar oralmente, num canto qualquer, para olhos atentos e mentes diversas. Para chegar à casa, os habitantes da região tinham que percorrer uma rua de paralelepipido. Uma subida estreita de calçadas finas e casas baixas. Reto, à direita e à esquerda. Um muro, uma casa, outra casa e a casa. Portão baixo, de ferro. Ao lado dele havia o registro d'água, que de-vez-em-quando recebia um bilhete dos homens que cuidavam do sistema hídrico dali. Antes de chegar no segundo portão, também de ferro, porém bem maior que o outro, uma estrutura de concreto semelhante a um palco. Um pequeno jardim ao meio, com rosas vermelhas de fortes espinhos. As rosas não eram bonitas como as de uma floricultura e nem eram feias. Eram. Após cruzar o segundo portão há duas alternativas. Seguir adiante, subir uma escada de três degraus e chegar à pequena varanda ou descer uma escada com mais de três degraus e chegar ao porão. Mato precisando de uma poda. Mudas de hortelã e erva-cidreira e um pé de goiaba no final do terreno. Ervas e frutas se entrelaçavam no matagal. Cocoricô. O galo da vizinha se pronunciava duas vezes ao dia, no restinho da madrugada e ao cair da tarde.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante, e o sol da liberdade, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria nesse instante
O papagaio da outra vizinha assoviava como manda seu dono. O porão escuro e com cheiro de mofo dava vida às brincadeiras da infância. Garrafas de vidro, ferramentas quebradas. Tralhas. Pedrinhas que sobraram de alguma reforma permaneciam ali. Uma grade de ferro também. Objetos, que jogados no porão, viravam parte da estrutura física da casa. Ninguém os tirava do lugar. Lá em cima é a varandinha de piso riscado e vaso verde claro. Dentro do vaso morava uma planta tão esquisita. Por ser assim, dava curiosidade de pegar, apertar, só para ver se saia alguma coisa de dentro. Entrada. Sala e quarto separados por uma porta alta, da altura da construção. Móveis de madeira escura e pesada. Renda, tricô e bordado. Tudo expirava um quê e um ser de antigo, desbotado, em promoção, empoeirado. E ao mesmo tempo, um quê e um ser de aconchego. Eu queria registar aquela casa.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

querido diário,

Algumas horas após acordar, uma crise de ansiedade veio até mim. Durante a sua visita, fiquei tentando lembrar dos pensamentos que tive para saber se encontrava o motivo. Todos nós temos um pouco de ânsia. É natural. Estudar, revisar, escrever, pegar o livro na biblioteca, depositar o dinheiro, passar novamente a roupa que amassou no armário, ligar para fulano. Acho que pensei em tudo isso de uma vez só. Conteúdos espalhados pelo quarto. Cadê o gosto de apreciar? Me falta. Tive medo. Medo de não voltar ao meu estado normal.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

o fraco

Dia desses ouvi alguém dizer "ah, ele é fraco". Não a fraqueza física, mas por ele ter vivido ou por viver, não sei exatamente, uma situação que não soube resolver da forma como a sociedade exige. Seja forte e, de preferência, escreva um livro contando como venceu uma fase difícil, com garra, determinação e força. Sem deixar a peteca cair. Não estou pregando aqui o sofrimento nem fazendo apologia à fraqueza. Só acho curioso a maneira como valorizamos as características que nós entendemos (claro, porque nem todas as culturas agem assim) que são positivas e menosprezamos àquelas que julgamos negativas. Ou seja, não é permitido demonstrar fraqueza, infelicidade, tristeza, etc. Se demonstrar, trate de resolver o problema o mais rápido que puder. Desde quando o ser humano só tem o lado A? Quero conhecer o lado B. "Estar completo", desejo que tanto nos cerca, é conviver com esses pólos, com a dualidade do ser.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

São Paulo terá mais duas bibliotecas temáticas

Neste mês de novembro, a cidade de São Paulo será presenteada com mais duas bibliotecas temáticas, somando assim, sete centros de leitura e pesquisa. A primeira inauguração acontece no próximo sábado, dia 8, quando a biblioteca Mário Schenberg abre o seu acervo de ciências. Na ocasião, o local também recebe a exposição Ciência e Cotidiano, que tem como objetivo apresentar temas presentes no dia-a-dia na área de biologia, física, matemática e ciências da Terra. Já o outro acervo, especializado em literatura fantástica, estará disponível para consulta a partir do dia 22 e recebe o nome do escritor e jornalista Viriato Corrêa. O projeto de bibliotecas temáticas teve início em setembro de 2006, com a Alceu Amoroso Lima, de poesia. Além dessas, você pode virar um especialista em cultura popular, contos de fadas, música e cinema.

Serviços

o quê: Mário Schenberg - ciências
onde: rua Catão, 611, Lapa
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 3672-0456

o quê: Viriato Corrêa - literatura fantástica
onde: rua Sena Madureira, 298, Vila Mariana
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 5573-4017 e 5574-0389

o quê: Alceu Amoroso Lima - poesia
onde: rua Henrique Schaumann, 777, Pinheiros
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 3082-5023

o quê: Belmonte - cultura popular
onde: rua Paulo Eiró, 525, Santo Amaro
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 5687-0408

o quê: Hans Christian Andersen - contos de fadas
onde: avenida Celso Garcia, 4142, Tatuapé
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 2295-3447

o quê: Cassiano Ricardo - música
onde: avenida Celso Garcia,4200, Tatuapé
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 2092-4570/9952

o quê: Roberto Santos - cinema
onde: rua Cisplatina, 505, Ipiranga
atendimento: segunda a sexta, das 8h às 17h e sábado das 9h às 16h
contato: 2273-2390 e 2063-0901

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

quem quiser que conte outra

Durante onze dias, a cidade de São Paulo foi palco de histórias. Bibliotecas e parques receberam diversos artistas do 4º Festival a arte de contar histórias. Consegui acompanhar apenas três eventos, mas a experiência foi intensa e única. Acompanhem no texto a seguir:

cultura indígena

Como já contei aqui neste espaço, a Biblioteca Hans Christian Andersen é especializada em contos de fadas. Por isso, quando você visitá-la terá a impressão de fazer parte de um deles. Há um cantinho especial com mesas coloridas para as crianças, um soldadinho de chumbo com cerca de quatro metros de altura, tapetes azuis e estantes de livros em forma de castelo.

Na primeira apresentação que acompanhei, as crianças se espalharam pelo tapete, enquanto os adultos, mais contidos, ocuparam as cadeiras. Eu e alguns amigos do curso de contadores seguimos os pequenos. A atriz Gabriela Hess conduziu o conto A noite e o sol, Tainá, nascemos para brilhar com doçura e sensibilidade. Pés descalços, trajes brancos e olhar atento para cada reação da platéia. Nos livros sobre essa arte, os autores dizem que o contador deve ser a própria história. E eu vi cada personagem ali.

Sentada no chão, Gabriela chamou a todos para contar a segunda história. "Uma aluna escreveu e eu achei bonito. Queria que todos participassem. Vou contar o começo e vocês dão a seqüencia", disse. Era uma história de amor entre dois índios de tribos rivais. Teve criança tímida, inocente, intelectual e sapeca. Um garoto de sorriso bangela se divertia sozinho. O motivo da graça era o prazer em deixar a índia careca. Assim, quando chegava a sua vez, não hesitava e dizia "ai ele rapou o cabelo dela". Gargalhadas.

Nessa hora, os pais que estavam presentes já se soltaram um pouco e resolveram participar junto com os filhos. Como a temática da contadora foi indígena, ao final ela ensinou uma dança circular para celebrar a natureza, a grande mãe. Água, terra e fogo foram representados no meio da roda. De mãos dadas:

Mãe eu te sinto sobre os meus pés

Mãe eu escuto teu coração bater

Heya, Heya, Heya, Heya, oh

Heya, Heya, Heya, Heya, ooooh

Terra pe meu corpo

Água é meu sangue

Ar é meu sopro

e fogo é meu espírito

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

percussão

corpo. deixa o som
que sai do teu.
corpo. a melodia surge
é teu, é meu, é dele.
vida. deixa a energia
que circula pela tua.
vida. balança, surpreende.
enche o peito e vibra.

toque-me, sou teu

Dedos frágeis, mas cheios de intenção. Brancos. Cabelos que alertavam para a sua avançada idade. Um par de brincos em forma de borboleta. Jóia com aparência de antiga. Sapatilha preta de pano, da marca Moleca, iguais as que a minha avó usava. Eu sai da Estação Santa Cecília do metrô e vi algumas pessoas em volta de um piano. Uma senhora de 82 anos, de Lins, interior de São Paulo, acomodava as mãos sobre o instrumento. À direita, um jovem acompanhava com uma flauta. À esquerda, um homem segurava as folhas da partitura que insistiam em voar, no cair da tarde. Quando a senhora virou-se para a platéia, a fim de agradecer os aplausos, seus olhos azuis falaram:
- O piano está ruim, disse como forma de pedir desculpas pelos pequenos erros que havia cometido.
De fato, algumas teclas estavam com problema, mas isso não foi um obstáculo para a pianista e seu neto. Canções de Tom Jobim, Pixinguinha, Chico Buarque, Elias Regina, entre outros, foram reproduzidas com delicadeza e talento. E a platéia aumentava cada vez que um novo vagão parava na estação. Uns cantavam, outros apenas olhavam. Jovens, pais, filhos, senhoras e senhores, moradores de rua. Todos ficaram ali para ouvi-la. Como num show, as pessoas pediam suas músicas favoritas. A senhora se animava e ao mesmo tempo se queixava:
- Estou com dor nas costas. Levanta a mão quem tem mais de 80 anos.
Nenhuma mão levantada, até que surge um senhor:
-Eu tenho 84 anos, disse.
A artista deixou o banco do piano de lado e foi cumprimentá-lo. Depois, um pouco de tango. Da próxima vez que tirei os olhos da senhora, contei quase 40 pessoas em sua volta. Pausa.
- Isso aqui é coisa de primeiro mundo, levantou-se
- Na minha época, ensinava-se música nas escolas. Vocês, jovens, precisam estudar. Pera aí que eu vou mostrar uma coisa. Tirou um recorte de jornal de sua pasta de partituras.
- Leiam, o que está escrito aqui?, perguntou.
- Enfim, músicas nas escolas outra vez! Quem escreveu foi o Júlio Medaglia, um grande maestro, explicou.
O texto falava sobre a lei aprovada em agosto deste ano pelo presidente Lula, que inclui o ensino de música no currículo da educação básica. O projeto "Toque-me, sou teu" foi uma iniciativa do artista inglês Luke Jerram, que espalhou oito pianos pela cidade. A intervenção fez parte da Mostra Sesc de Artes que terminou no último sábado, dia 18.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

indispensáveis

sou grata por existirem. instrumentos musicais, batom, lápis de cor, flores, mar, incenso, perfume, livro, camomila, maracujá, cores, crianças, árvore...

homenagem

um brinde aos artistas de todos os gêneros e áreas. do teatro, da dança, do circo, da rua. aos que carregam a arte no peito, que pulsa junto com o coração. seja por meio de palavras, sons, gestos, objetos ou até mesmo do silêncio. independente de prêmios e rostos em capas de revistas famosas. a arte pode surgir em qualquer canto. se faz sentido para alguém. aplausos para os artistas que mostram o que eles têm de melhor. é brega pra você? mas para outros, não. depende do alimento que você procura. ela existe para todos. em diferentes formatos. uma linha especial para os músicos, maestros e compositores. termino este post com indicação de dois vídeos com belas músicas. como não consegui adicioná-los aqui, aí vai o link:

terça-feira, 7 de outubro de 2008

para acessar

É incrível como a pesquisa na internet te leva para lugares que você nem imaginava existir. Um texto pode ter um link para algum autor, que indica um livro e assim vai. Quando você percebe, nem sabe por onde a pesquisa começou. Eu, por exemplo, cheguei num link dentro do site da Secretaria da Cultura, meio sem querer. O melhor desse acontecimento é que esse espaço será extremamente útil para as minhas pesquisas e buscas de cursos e oficinas. Estou tão feliz! Aproveito para repartir essa alegria com vocês. Só clicar aqui.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

presença corporal

Há alguns anos, quando comecei a ler sobre yoga e dança contemporânea, o tema que dá título a esse texto me foi apresentado. Encontrei-o em alguma publicação ou apresentação de curso relacionado à dança. Ah, e como eu tinha medo de participar de uma aula dessas! Na verdade, existia mais uma sensação que envolvia a tal da presença corporal. Era a curiosidade. Vontade de conhecer, com medo do desconhecido. Resumindo, um sentimento que quase 100% das pessoas têm, vamos ser sinceros. O medo é o que nos firma numa situação de segurança ilusória, isso sim.

Com a prática da yoga, esse receio foi transformando-se em neblina. Você está dirigindo na serra e a neblina surge. Você deixa de enchergar o seu trajeto, mas logo ela se dissolve. Por meio da famosa e divulgada filosofia milenar, me soltei e permiti que meu corpo se ampliasse. Sem vergonha nem julgamento.

Assim, no último sábado de setembro, quando Andréa Egydio, mestre em artes cênicas pela USP, anunciou que o tema daquela aula do curso de contadores de história seria a dita cuja, fiquei tranqüila. Nas primeiras duas horas, Andréa pediu para que prestássemos atenção na respiração. Sentir o ar entrando e saindo dos pulmões. Observar a posição da coluna.

O próximo exercício foi tão relaxante que quase dormi em pé. Organizou-se duas filas indianas e tivemos que reparar no andar do colega da frente. Aí fazíamos o seguinte: inspira, expira, anda meio passo. "Serão apenas cinco minutos, mas vocês vão achar que foi uma eternidade", alertou a professora. O ato de reparar no ar que entra e sai acalma os sentidos.

Depois, fizemos duplas e ficamos cara a cara com o amigo. Nessa hora eu pensei que ela fosse fazer a brincadeira do quem ri primeiro. Boba eu, né? E já ameacei a rir. Mas não foi isso, não. Era para repararmos no corpo do outro e encontrar qual região ainda estava tensa, rígida.

Durante a pausa para o café, fiquei me perguntando de que forma iríamos aplicar esses conceitos na hora de contar uma história. Eu não vi muita coisa. E foi bom, pois me surpreendi. Todos sentaram no chão, em formato de platéia e, alguns voluntários ficaram em pé, um por vez. Justamente para mostrar o momento da chegada de um contador de história.

A maioria dos cobaias ficou tenso. Corpo duro, olhos sérios, lábios cerrados. Se eu tivesse sido chamada para estar lá, também ficaria dessa forma. Não é nada fácil. Conforme a professora passava as instruções do tipo "relaxa, respira", eles foram se soltando. "É na chegada que você dá o tom da sua apresentação. Você pode cativar ou não o seu público", explicou Andréa.

Com essa demonstração, comecei a entender em que lugar entra a respiração. É literalmente a presença corporal. Ou seja, estar presente ali com seu corpo e suas intenções. Por exemplo, você estende o braço e sente de fato essa estensão. "O importante aqui é a qualidade do gesto e não a quantidade. De que adianta mexer o corpo inteiro, sem estar presente, sem receber um retorno da platéia?", questionou.

domingo, 5 de outubro de 2008

Stanislaw Ponte Preta

Esse é o pseudônimo do carioca Sérgio Porto. Jornalista, radialista, humorista e escritor das décadas de 50 e 60. O primeiro e único contato que tive com os seus textos faz pelo menos uns dez anos. Minha mãe, que na época era professora de 1º grau, tinha um livro com um de seus contos. Achava o texto engraçado e lia diversas vezes durante o ano. Cresci e esqueci dele. Nós mudamos de apartamento e não me lembro se esse livro nos acompanhou. Vou procurá-lo. O escritor permaneceu esquecido até quinta-feira, dia 2, quando um jornalista do trabalho "descartou" alguns livros. Não é que dei de cara com um do Ponte Preta! A obra chama-se "Máximas de Tia Zulmira". São 140 páginas com frases da Tia, um dos personagens-pseudônimos do autor. Foi bom reencontrá-lo agora. Selecionei algumas frases bacanas para compartilhar com vocês:
  • Viver é fácil; saber viver é que é dureza.
  • Se não existisse o mau gosto ninguém plantava jiló.
  • Quem não arrisca não petisca, quem não chora não mama, quem não morre não vê Deus.
  • As crises políticas nacionais são tratadas de maneira tão sensacionalista pela imprensa brasileira que, se a gente estiver no estrangeiro, ao ler um jornal brasileiro tem a impressão que, ao voltar, não encontrará mais o país. (Pelo jeito, nada mudou)
  • Malandro prevenido dorme de botina.
  • Se ginga fosse malandragem o pato era o rei dos malandros.

Quem quiser conhecer o conto que li quando era criança, acesse aqui. Divirtam-se!

paixão

Palavra que pode ser facilmente substituída por tesão por alguma coisa (e não por alguém, neste caso). Algo de que você não vive sem. Usando uma frase comum nas letras românticas de música, é a conhecida "razão de viver". O que dá sentido pra tua vida. O que te faz caminhar. Pedras no caminho? Até Drummond teve. Mas segue. Eu tenho observado as paixões das pessoas. Elas vão desde cozinhar até adquirir conhecimento. Pode ser qualquer coisa (sem levar para o lado pejorativo). Você não a escolhe, você descobre. Sente. Olha e se vê ali. Eu faço parte disso. Quase inerente ao teu corpo, a tua alma. Qual é a tua paixão? Aqui cabe no plural. Para que os dois (três?) leitores deste blog não se sintam sós, também vou responder. Café. Tudo bem, você deve estar se perguntando de que maneira o café me faz seguir em frente. Que cômico! Mas vejam, a palavra necessita de um complemento, que já explico. O café me faz seguir, sim. Fisicamente, é claro. E não acontece só comigo. Mas o que eu quero dizer aqui é que os momentos que envolvem uma ou mais xícaras de café são capazes de me completar. Conseqüentemente, eu continuo. Não sinto falta de nada. É aquilo e pronto. E você? Prometo que ainda vou comentar sobre outras paixões. Elas estão surgindo...
Um parêntese. (quando fui publicar este texto, começou a tocar Anunciação, do Alceu Valença. "...Na bruma leve das paixões que vêm de dentro..."

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

estalo

anos e anos
consumindo todos os dias
por completo
por inteiro

um prato
que foi colocado
bem a minha frente
isso é teu!

má digestão
pré-conceitos. padronizado.
e quando o espelho se aproxima
ponto de interrogação. ?

ponto de exclamação. !
ponto.
sem um ponto
que seja final.

yo

caixas de papelão
cada uma de um tamanho diferente
uma dentro da outra.
uma por uma.
revirada
revista
remexida
reencontrada
revisada
reeditada
revisitada
revitalizada
revivida.

lá fora

fome, supermercado
doença, médico
frio, casaco
conhecimento, livro
lágrimas, papel
sujeira, água
viva!, taça

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

personagem, um corpo que age

Uma roda com cerca de quarenta pessoas onde cada um precisa dizer o nome. Mas não vale se apresentar como quem vai preencher uma ficha de inscrição. É preciso inovar. Pode levantar os braços, rodopiar, dar pulinhos e até juntar as palmas das mãos em sinal de prece. Você é quem escolhe. Foi assim que Solange Grande, atriz e uma das integrantes da dupla As meninas do Conto, deu início a aula Corpo e Espaço, do curso de contadores de história, na Biblioteca Hans Christian Andersen.

O objetivo do exercício era criar uma identidade com o nome por meio da linguagem corporal. O próximo passo foi ouvir sobre o colega ao lado e apresentá-lo aos demais. Com um minuto para falar, teve gente que foi direto ao ponto, como por exemplo, “essa é fulana, me contou isso e aquilo”. Já outros deixaram a narrativa com cara de estória (com e mesmo) e incorporaram a (o) “personagem”. Para Solange Grande, todos os alunos completaram a tarefa, porém, alguns detalhes não entraram em cena. “É essencial conhecer a história que será contada e tentar interagir com o seu público”, disse Grande.

Uma das alunas relatou que o nervosismo virou o grande protagonista da sua história. “Nesses anos de experiência como contadora, posso dizer que nunca fiquei totalmente tranqüila. Sempre existe um pouco de ansiedade e nervosismo”, compartilhou a professora. O truque, nesses casos, é utilizar a sua fragilidade como uma ferramenta amiga. Quê, como assim? “Pessoal, eu tenho uma história para contar hoje, mas eu tô tão nervosa!”, exemplificou Grande.

Sabe aquela expressão corpo vivo? Todos foram convidados a senti-la. Primeiro, aquietando a mente e prestando atenção na respiração. Prática recorrente nas aulas de yoga. Segundo, caminhar pela sala e reparar na forma como você e seus colegas andam, olham e respiram. Recursos que podem ser utilizados na hora de compor o seu personagem. O jeito de andar, de falar, de mexer os olhos e de sentar fazem toda a diferença. Novamente, é o conceito de criar uma identidade com o seu corpo.

No final, formaram-se grupos de seis pessoas a fim de criarem uma narrativa gestual. Gargalhadas vieram à tona. Todos os futuros contadores de história viram objetos, lugares e pessoas que não estavam na sala. Será que enlouqueceram?

Dica de leitura:

  • O ofício do contador de história, Gislayne Avelar Matos e Inno Sorsy

terça-feira, 9 de setembro de 2008

ah...se te contasse

Sou fã do site da Prefeitura de São Paulo. Se você está em busca de boas opções culturais, palestras e cursos com preços acessíveis ou até mesmo de graça, este é o lugar certo. Foi através dele que encontrei informações sobre a Biblioteca Hans Christian Andersen, especializada em contos de fadas. O local, que recebe o nome do famoso escritor de contos infantis como O patinho feio, O soldadinho de chumbo e A pequena sereia (só para citar alguns), foi nomeado como biblioteca temática em novembro de 2007.

Em agosto deste ano fiquei sabendo que eles promoveriam, agora em setembro, um curso de formação de contadores de história, com duração de três meses e meio, de graça. Fiz minha inscrição na biblioteca, no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo. Descobri que eles ofereciam apenas 35 vagas e a minha inscrição já estava no número 129.

- Como será feita a seleção?, perguntei ao simpático atendente
- Ah, moça, isso é com a Secretaria da Cultura. Você preenche esse papel, explica quais são os seus objetivos e boa sorte, respondeu

Desejei-me sorte também. Na última sexta-feira do mês de agosto, dia 29, liguei para a biblioteca para saber se a lista de selecionados já estava pronta. A moça que atendeu me disse que já ia me ligar, mas por ansiedade, liguei antes.

- Parabéns, você foi selecionada!, uma voz vibrou do outro lado do aparelho, tão feliz quanto eu

Ao todo foram 412 inscritos para 35 vagas. Esse é o segundo curso de contadores de história promovido pela
Secretaria da Cultura na Hans Christian Andersen. Sábado, dia 6, foi o primeiro dia de aula. O encontro aconteceu na sala que leva o nome da crítica literária e professora Nelly Novaes Coelho, que tivemos o prazer de conhecer.

As três primeiras horas de aula foram reservadas para que todos os alunos se apresentassem. Como já era de se esperar, a maioria tem formação em educação, já trabalha com crianças ou conta histórias. Mas também há pessoas de outras áreas e experiências diversas, o que deve enriquecer ainda mais o curso. Literatura, educação, fantasia, magia, música e teatro foram os assuntos levantados pela roda de participantes. Prestei atenção em cada depoimento, na ânsia de colher um pouquinho de cada história. A delícia desses momentos é a troca de expectativas, de esperanças, de olhos brilhantes que ocorrem entre as pessoas.


Na hora do café (adoro!), conheci a jornalista Viviane Pascoal que acabou de lançar, em parceria com Arnaldo Mota, o livro Vidas em Retalhos, sobre a história de meninos de rua em Natal, no Rio Grande no Norte. Em seguida, recebemos Nelly Novaes Coelho, uma senhora de 80 anos, cheia de vida e de projetos. Que fôlego! Bom, leitores, a minha idéia até o final do curso é relatar um pouco sobre as aulas, indicar autores, livros e textos sobre literatura no geral, literatura infantil e infanto-juvenil. Espero que gostem! Por hoje, deixo alguns, citados por Nelly:

  • Vergílio Ferreira
  • Clarice Lispector
  • Machado de Assis
  • José Saramago
  • Fernanda Lopes de Almeida
  • O sofá estampado, de Lygia Bojunga
  • Gabriel Perissé

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

desafio

Aos três leitores (incluindo a autora, claro) deste blog,
já aviso que o caso é sério. O último livro que consegui ler inteiro, da capa a última página onde constam os dados sobre a impressão da obra, foi em março. Ai que vergonha! Pois é. Uma tristeza mesmo. Mas não é por falta de leitura. Eu leio durante o expediente inteiro de trabalho, leio jornal, revista, placa de rua, extrato bancário, planfeto de dentista, rótulo de shampoo, letreiro de ônibus, spam, instruções para estourar pipoca no microondas (!) e até pessoas. Livro que é bom, nada. Não foi por falta de tentativa. Já tentei começar um bocado. Chego no máximo até a página 30. Será que é algum sinal? Não, não acredito nessas coisas. As histórias são boas, eu quero saber sobre elas. Vou contar como funciona: antes de ir trabalhar, eu seleciono um livro para ler no caminho. E cada dia é um. Confesso que isso nunca me aconteceu. Eu sou fiel. Leio cada página, mergulho na história, penso sobre os personagens. Já misturei a ficção com a realidade. Por exemplo, lembro de alguma fala do personagem ou de alguma situação e esqueço que li no livro, acho que foi alguém que me disse. Só depois caio na real. Ops, são só palavras. Ou não, né. Enfim, contei tudo isso a vocês pois quero propor um desafio. Pronto, descobriram o porquê do título de hoje. Peço, gentilmente, que me enviem sugestões de livros. Olha, a minha estante está cheia deles, mas tá difícil. Só para facilitar a vida de vocês. Eu quero me envolver com a história, quero me apaixonar por ela. Se algumas dessas sugestões me proporcionarem isso (sim, eu sei que não depende apenas delas, depende de mim), a pessoa que sugeriu ganhará uma caixa de bombom. Um prêmio nada motivador, talvez. Mas pensem: alguma vez vocês já participaram de uma promoção com um prêmio desses? Não, né? Não deixa de ser uma novidade.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

baú

"Quem vive de passado é museu". Depois de ouvir algumas pessoas dizerem isso, já pensei que posso me considerar um. Não que eu vivo, no sentido literal do verbo, o passado. Mas, confesso que aprecio uma boa lembrança. Sou pega de surpresa e ela surge, muitas vezes, quando estou andando ou dentro do ônibus. Não seguro o riso. Me deixo levar. Sou feita de refém. Ela se aproxima e sussura baixinho:
- Você lembra quando...? Lembra?
Pronto. É só dizer isso que as imagens tomam conta do meu pensamento. Ultimamente, ela tem inovado e me traz até cheiro. É mole? E não pense que é aquele cheiro que vai embora rápido. O danado insiste em permanecer ali. Parado. Estático. Só vai embora quando eu lhe peço gentilmente:
- Senhor cheiro, agora eu preciso comer, você me dá licença?
- Claro, senhorita. Volto amanhã. Inté.
E tem também em forma "de gosto". Aí é golpe baixo. Se estou com fome, fica ainda mais difícil. Nessa semana, a memória me veio assim. Um dia comum. Acordei, resolvi algumas coisas, almocei com um amigo, fui trabalhar e na hora no bandejão ele veio.
- Abobrinha, cenoura, batata em forma de sopa, não é uma delícia?
Quando percebi já estava em outro lugar. Agora mesmo, acabou de acontecer de novo. Impulsionada a escrever uma crônica sobre meio ambiente, eis que surge. Conversamos bastante e fiz um acordo.
Propus o seguinte: "memória, querida! (um agrado para não pensar que a estou desprezando). Podemos nos encontrar, mas não posso lhe dar tanta atenção. Você me entende? O presente está chateado comigo. Já reivindicou o seu espaço. Acho que ele está no direito dele. Hoje mesmo irei apresentá-los, quem sabe vocês não se entendem melhor".

terça-feira, 29 de julho de 2008

acendeu duas velas no quarto escuro. o palito vacilou. sua cabeça se pôs em dúvida. era sua última esperança. a chama amarela daquelas velas - compradas na igreja onde assiste missas aos domingos - se tornou uma possiblidade de contato com o divino. de crer numa intervenção vinda do céu. enquanto queimam, ela reza. e imagina que no momento em que a cera da vela se derreter por inteira, sua aflição vá com ela.

terça-feira, 22 de julho de 2008

avó

deo colônia fragrância flor do campo
essência que se espalha
se dilui pela vida afora
cheiro de velhice

de banho tomado em banheiro
de azulejo cor de rosa
toalha do bazar da igreja
sabonete alecrim

pele cor caramelo
com marcas do tempo
com veias azuis
e pés inchados

corpo com odor próprio
de avó mesmo
inconfundível
único

quarta-feira, 16 de julho de 2008

interpretação

silêncio com vida à espera de um movimento. um sinal. olhos atentos em cada atitude que está para acontecer. carregam estórias inventadas, imaginadas, vividas. precisam transformar tudo em expressões, diálogos, risos, espantos, dúvidas e em muitas outras situações humanas. ingerem os anseios, os sentimentos e os desejos do personagem. internamente. uma mistura do real e da ficção. o que é meu e o que é do personagem? não há uma separação muito linear. é aí que está o grande truque. se esparramam no palco. ficam nus.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

o outro

eu não enxergo com seus olhos. nem penso como você. posso apenas te mostrar um caminho. mas ele não é o único. pense. mergulhe em suas emoções. resgate o que há de mais sincero. sofra. sinta o gosto da dor. masoquista? talvez. não tenho certeza. você a tem? bem-vinda ao mundo real.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

o homem que não chora

Nunca vi uma lágrima sua. Não me lembro. Presenciei, apenas, o polegar e o indicador pressionando o canto (aquele onde as remelas se acomodam) dos olhos. Lágrima mesmo, eu nunca vi. Calado. Sério. Nervoso. Brincalhão. Incapaz de demonstrar uma pequena fragilidade. Guia um pelotão em tempos de guerra, sem desviar do caminho nem pedir socorro. Engole seco as amarguras e derrotas que a vida lhe deu. Hoje, achei que ele fosse chorar. Seu rosto indicava isso. Sua boca começou a tremer. Estava tudo pronto. Era só deixar a água descer e molhar a pele. Mas, novamente, ele não chorou. Quem chorou fui eu.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

pé descalço


Avenida Paulista. Temperatura baixa. No vão livre de setenta e quatro metros do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, inaugurado em 1968 com projeto da arquiteta Lina Bo, as turmas se dividem entre casais de namorados, adolescentes, senhores e solitários. O vento é forte. Cabelos bagunçados, mãos que não saem dos bolsos. E gritos. Perto da bilheteria do museu, fundado em 1947 pelo empresário Assis Chateaubriand, dezenas de crianças dão o tom naquela tarde. Festival de cores que vibram assim como a energia dos pequeninos. Um garoto com pele cor de casca de amendoim veste um gorro azul e branco. Ele sorri das brincadeiras dos companheiros, mas seus olhos não acompanham, parecem que estão em outro lugar. Mais pro final da fila indiana, três meninas brincam de pega-pega, o que lembra um cachorro correndo atrás do próprio rabo. O uniforme azul, branco e amarelo revela que são alunos de uma escola municipal em São Bernardo do Campo. São duas turmas com cerca de trinta alunos e três professoras. Antes de entrar no museu, uma delas, a de aparência mais velha, aponta o dedo indicador na cabeça de cada criança para certificar de que nenhuma desapareceu. Ao final, sorri satisfeita. Os pequenos formam outra fila em frente a um dos elevadores e seguem até o segundo andar, onde acontece a mostra "A natureza das coisas", uma das quatro exposições organizadas com o acervo do próprio museu. São setenta obras que apresentam paisagens e natureza-morta de artistas da Europa e da América desde o século 17 até os anos 80.

Dentre tantos quadros, um me impressionou ao ponto de que o guarda que estava sentado à direita me pedisse para afastar e permanecer atrás da linha branca. Para ser sincera, eu não tinha notado aquela marcação. Coloquei meus olhos em direção à tela, pois queria apreciar de perto aquela pintura. Chama-se "A cachoeira de Paulo Afonso"(acima), em Pernambuco, 1850, por E.F.Schute. Procuro referências do autor no site do Masp e o texto diz "não há certeza quanto à nacionalidade de Schute". Segundo o site, ele pode ter sido alemão, austríaco ou suíço.

Próximo a essa belíssima obra, os estudantes estão sentados no chão e são incentivados a pensar por um instrutor do local. Alto, careca, óculos com grau, o homem dispara algumas perguntas:
- o que vocês estão vendo nesse quadro?
- vocês colocariam na casa de vocês?
- do que ele é feito?

Me coloquei ao lado dos alunos. Aquela abordagem me interessou. Imaginei, nos dias de hoje, o quanto não deve ser difícil atrair a atenção dessas crianças. Estimuladas por jogos eletrônicos e interativos, o que seria capaz de fazê-las parar?

E, de fato, o homem teve dificuldades. Uma ou duas crianças responderam. As outras nem sequer prestaram atenção. Brincavam com os coleguinhas ou olhavam para todos os lados. Bom, não deve ser fácil analisar um quadro do século passado. Acho que tudo que elas mais queriam era correr por aquele espaço vazio entre as telas. O que também não deixa de ser divertido.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

pedido de desculpas

Há dois dias penso em te escrever. Pego a caneta, aquela de tinta azul de sempre, um papel solto pela casa e sento. Me aconchego na poltrona vermelha que você adora. Tomo meu café e enquanto o líquido desce suavemente e quente pela minha garganta (cansada por não conseguir gritar), penso em como te escrever. Palavras soltas, idéias perdidas, lembranças que apertam o peito. Tudo me chega. Mas não tenho conseguido jogar com esse quebra-cabeça. As cartas mudaram, eu me perco e canso da brincadeira. Sim, eu sei que já joguei outras vezes. Mas lhe peço desculpas por nesse momento não te dar o que você merece, o que você espera. A vida é assim mesmo. A cada dia sinto que ela se parece muito com o mar. O dia da calmaria, onde tudo corre bem, tranqüilo. Pra quê mudar, não é mesmo? Mas quando o mar se aperreia, é melhor correr porque aí vem a tempestade. Semana passada comprei uma colcha de retalhos. Para embelezar a nossa cama e te ajudar a pensar sobre as cores na vida da gente. Imagina se tudo fosse branco e preto? Ainda bem que podemos conhecer o amarelo, o azul, o verde, o laranja, o vermelho...Me despeço e, já que não consigo te escrever, deixo algumas palavras de Mário de Andrade.
"(...) mas eu só queria saber neste mundo misturado quem concorda consigo mesmo! Somos misturas incompletas, assustadoras incoerências, metades, três-quartos e quando muito nove-décimos (...)"

terça-feira, 17 de junho de 2008

anotações na madrugada

eu, que de tanto sufocá-lo em minha suposta visão da certeza, hoje deixo que ele se vá. Vá e não precisa voltar. Suas memórias foram cimentadas na matéria que me dá forma neste mundo. Não preciso mais de rédeas, deixei de ser cavalo para assumir a postura de uma gaivota. Dessas que voam por aí e só sossegam quando o corpo emite um alerta de que algo não está bem. Um vôo aprendiz. consciente. racionalidade com uma pitada de ilusão. ilusão que acalma os sentidos. outra dimensão do mundo, necessária para sobreviver.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

neguinho

quente, frio, amargo.
doce, sem personalidade.
te esperei por tanto tempo
que saudades do calor

que só você me dá.
do conforto que sinto
quando estou contigo.
venha logo, venha.

meu pretinho mais gostoso
uma revista, um livro,
um dia ensolarado
num canto qualquer.

te saboreio sem dó de ti
te experimento todos os dias
com o prazer de sempre
meu neguinho cheiroso.

a tarde

o corpo fala
sua voz é a expressão
dos músculos, dos ossos
da derme, epiderme e células

vivas em teu ser
um pulsar da alma
a resposta mais sincera para
quem é você?

sou um corpo que balbucia
palavras de vida, de vontade
de viver e ser assim...
no meio da multidão.

um fá, um ré, um sol
talvez um si ou um lá.
não importa. os sentidos
acordam, ficam despertos.

o braço desliza, as pernas
de um lado para o outro.
o movimento anterior não será
repetido da próxima vez.

manual de instruções dirá:
pegue o que está sentindo
agora e expresse.
não julgue, não. Apenas você.

um desenho, um rabisco com
canetinha da pré-escola.
uma palavra, uma história
com quinhentas páginas.

um gesto, uma atitude,
uma opinião. e solte.
solte tudo ao vento.
um sopro. sopro de vida.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

pão doce

doce por suas palavras
por seus gestos e
seu coração. Doçura,
por suas mão sujas.

por seu silêncio acolhedor.
não entendia de economia, geografia e
tão pouco de negócios.
compreendia, sim, o ser humano.

humildade registrada em sua identidade,
olhar de criança sapeca
querendo brincar e sentir
a beleza da vida.

em dia de festa
se enfeitava todo para receber
seus amores e ser amado.
barba feita, água nos cabelos e sapato lustrado.

não sorria com os dentes,
sorria com todo o corpo.
com os braços, os olhos e
com seu grande coração.

coração maior nunca vi.
até na hora do adeus
quis poupar a tristeza
daqueles que amou.

eu não te vejo,
me esquece, me deixa,
para eu poder te esquecer
e te amar para sempre.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

conversa

pega tua mão.
o corpo espera por ela.
compaixão, em forma de
desejo, que lhe chama.

dois segundos, apenas.
o suficiente para tua alma
pecadora, que derrama
lágrimas no teu peito.

o retorno para casa.
sabes o que sente e
porque ages assim.
lenta, respira. seco, olhos, seco.

primogênito

os pratos se quebram,
o chão, esperançoso, recebe os cacos.
impressões mal interpretadas
ou, apenas, o tempo.

a rosa sempre teve espinhos e
o mundo tem os dois lados.
onipresença. Deus, será?
tudo é quente e frio.

a estrada com buracos é longa
bodhi, possível, há de surgir,
de ficar, adormecer, esparramar e
molhar o caule do amanhã.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

sem título

Se o mundo parasse por alguns minutos, você voltaria a fazer (ser) o que estava fazendo (sendo) antes dele parar?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

canção vespertinha


Valsinha
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

terça-feira, 29 de abril de 2008

jogando no quintal


O objetivo é ver um sorriso nascer. Pode ser um sorriso que mostre todos os dentes e, muitas vezes, até a gengiva. Aquele mais acanhado, que mexe discretamente os lábios e os olhos acompanham. Tem aquele que sorri com o corpo inteiro. Os braços se movem, as pernas balançam. Ou ainda os que sorriem e gargalham ao mesmo tempo. E também o que sorri batendo palma. E que sorri por dentro. Sua boca que não se mexe, mas seu coração acende e seus olhos também. Há lugar para todos no mundo.

Para os que leram esse pequeno texto e ficaram se perguntando o porquê do título, eu já explico. Jogando no Quintal é uma apresentação de improvisação de palhaços. O trabalho desse pessoal é muito interessante. Quem quiser conferir, acesse o site www.jogandonoquintal.com.br. A minha idéia era escrever algo sobre esse espetáculo, por isso o título. Mas, optei por não descrever o que eu vi exatamente, apenas a impressão mais forte que tive. O resto vocês podem imaginar como foi. A fantasia está à disposição. Aproveitem!

as seringueiras

Moro no centro há quase três anos. Os outros vinte anos da minha existência foram vividos na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. Bairro acolhedor, festeiro e cheio de história. Minha família inteira sempre morou por lá. E os amigos, feitos pelo bairro, estão lá até hoje. Minha rua era tranqüila. Todos os dias, ao abrir a janela, me deparava com as enormes seringueiras que davam vida aquele pedaço de terra. Na verdade, a minha rua eram duas. Tinha a rua de cima e a rua de baixo. Eu morava na rua de baixo, mas conseguia ver a rua de cima. Aliás, a rua de cima era muito mais movimentada. Pois era o caminho mais rápido para chegar nas outras ruas do bairro. Nessa rua de cima existe uma valeta bem no meio. Com freqüência ouvia o barulho dos carros que por ali passavam e não reduziam a velocidade. Quando criança, reparava no jeito que meu pai passava por ela. Reduzia a marcha e ia pelo canto direito, bem devagar. Mesmo com esse truque, muitas vezes a carcaça do automóvel pegava o asfalto. Quando isso acontecia, sentia como se estivesse pisando no chão. Não sei se era uma coisa normal de se sentir ou era o carro do meu pai que precisava de conserto. Imaginava também que quando eu aprendesse a dirigir, ia fazer igual ao meu pai, pra não machucar o carro. Próxima a valeta mas, um pouco a frente, morava um casal de senhores, bem velhinhos. Depois do almoço, o senhor sentava-se embaixo de uma das seringueiras, em uma cadeira de praia daqueles modelos mais antigos com o encosto até metade das costas. A cadeira era vermelha e branca. Não sei calcular o tempo que ele permanecia ali, mas na minha impressão de criança ficava por uma hora ou mais. Sentado, apenas observando o movimento da rua de baixo, a minha. Ele ficava de costas para a sua casa e para os carros. Acho que preferia a minha rua, pois ali passavam cachorros, gatos, crianças e outros senhores como ele. Algumas vezes por ano acordava com o barulho de uma serra elétrica. Cerca de quatro homens podavam as árvores. Assim eu conseguia ver a rua de cima inteira. Todas as casas, as pessoas que circulavam, os carros, as bicicletas. E ficava imaginando, "quem pediu para fazer isso nas árvores?". Naquela época eu nem tinha noção do que era Subprefeitura, Prefeitura, etc. Não tinha noção de muitas coisas. E vivia mesmo assim.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

o vazio

Abro o jornal. Notícias e mais notícias. Letras, histórias, imagens, idéias, palavras, sentidos. Muitas coisas acontecendo. O mundo está vivo. Mas hoje, pra mim, isso não significa nada. Absolutamente nada.

o sonhador


Pacheco era jovem. Muito jovem. 25 anos (quase) bem vividos. Formou-se naquilo que sempre sonhou e, com isso, sentia que tinha feito algo na vida. Alto, cabelos negros, olhos expressivos, algumas vezes não sabia ao certo o que queria. Mas sabia o que não lhe agradava. Lia muito. Lia tudo. Lia, lia, lia, o tempo inteiro. Certo dia alguém lhe disse que mente vazia é um prato cheio para pensamentos ruins e inúteis. Então, mantinha a necessidade de estar sempre informado e, de preferência, lendo. Nem sempre conseguia absorver tudo o que estava escrito, mas seguia mesmo assim. Sua mente sossegava nos momentos de profunda preguiça. Aí seu caminhar era lento, cada passo era feito bem devagarzinho. Se pudesse, preferia nem andar nesses dias de preguiça. Mas não era uma preguiça sem sentido. Era uma preguiça diferente. Talvez só ele fosse capaz de compreendê-la. Num desses dias de preguiça, percebeu que pensava demais. Mais da metade de sua energia (que era muita) estava sendo gasta no campo do pensamento, das idéias, dos sonhos. Isso o alimentava, claro. Senão não pensava tanto. Na noite em que se deu conta disso, Pacheco sonhou. Que agia, que fazia isso e aquilo, que tinha uma lista de coisas feitas por ele. Somente por ele. E mais uma vez, sonhou...

segunda-feira, 14 de abril de 2008

leitura vespertina


A Gilberto Freyre (Carlos Drummond de Andrade)

Velhos retratos; receitas
de carurus e guisados;
as tortas Ruas Direitas;
os esplendores passados;

a linha negra do leite
coagulando-se em doçura;
as rezas à luz do azeite;
o sexo na cama escura;

a casa-grande; a senzala;
inda os remorsos mais vivos;
tudo ressurge e me fala,
grande Gilberto, em teus livros
.

quinta-feira, 27 de março de 2008

impotência

Dois atropelamentos no domingo de Páscoa. Homem mata amante da mulher e tatua caixão, nome da vítima e data do crime. Menina de 12 anos é torturada. Garoto viciado em crack no centro de São Paulo. Trabalhador anda 40 km para denunciar fazendeiro por trabalho escravo. Dengue se alastra pela antiga capital da República. Intolerância. Violência. Pobreza. Miséria. Falta de esperança. Egoísmo. Ganância. A dor do mundo grita por socorro.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ciúmes

A cada tic-tac do relógio Adelaide roia as unhas. Tic-tac...
À espera do marido, João, há pouco mais de vinte minutos, não conseguia conter a ansiedade e os pensamentos.

“Ele foi se encontrar com a vendedora da loja de jóias e se atrasou.”

Joana, a tal vendedora, era uma mulher de trinta e pouco anos. Casada, mãe de dois filhos. Desde que ela sorrio para o marido na padaria e pronunciou um inocente “Olá, como vai?”, a esposa o encheu de perguntas sobre a origem da mulher e agora
não consegue pensar em outra coisa.

“Com certeza eles têm um caso. Deve ser por isso que João diz ter aquelas reuniões de terça à noite, só pode ser.”

O marido conheceu Joana quando voltava do trabalho e resolveu olhar a vitrine da loja. A aliança de 10 anos de casado já estava apertada, devido aos quilos a mais, e ele pensava em trocá-la, caso sobrasse algum dinheiro no fim do mês.

Não havia reparado na vendedora, quando Joana se aproximou:

- Olá senhor, posso ajudar?, perguntou com a presteza de uma boa funcionária.

- Olá...é....estava olhando essa aliança aqui. Bonita, né?, respondeu embaraçado.

- Sim. Essa é uma das mais caras que temos aqui na loja.

- Entendo. É... eu só estava olhando mesmo, se explicou com um pouco de vergonha.

- Só por curiosidade, quanto custa?

- Mil e duzentos reais. Podemos parcelar em até 12 vezes, se o senhor quiser.

- Ah sim. Obrigado. Até logo.

Com o salário que ganhava para auxiliar um advogado, seria difícil conseguir comprar aquele anel. Pensou até em parcelar em 12 vezes, como a moça havia sugerido, mas não era adepto a esse tipo de pagamento. Era do tempo do dinheiro vivo. Se não tem, não compra. E não tem conversa.

Desde aquele fim de tarde, passara algumas vezes na frente da loja, mas não possuía coragem para ficar apenas olhando os produtos. Tinha receio e medo de si mesmo.

“Vou acabar comprando aquela aliança. Adelaide vai ficar zangada por ter gasto um dinheiro que poderia pagar a conta de luz ou fazer o supermercado do mês. Melhor não.”

Contido nos seus reprimidos pensamentos, nem imaginava que a mulher não parava de pensar em Joana e jurava, por Santo Expedido, divindade da qual tinha muita fé e respeito, que o marido a traía.

Beijos ardentes. Declarações de amor. Presentes. Carinhos e confidências. Adelaide fantasiava. E, assim, quando o marido chegava do trabalho, não conseguia conter o ciúmes.

- Oi Dê – abreviação carinhosa que concedeu à esposa desde os tempos de namoro – como foi o seu dia?.

- Normal, respondeu friamente sem levantar o rosto do feijão que estava “escolhendo” para cozinhar naquela noite.

- Nossa, estou tão cansado hoje. Bem que você poderia fazer aquela massagem nas minhas costas, né? Aquele remédio pra dor não está adiantando muito, disse tentando estabelecer um diálogo com a esposa.

“Seu vagabundo. Dorme com a outra e ainda vem me pedir para fazer massagem?”, pensou indignada. A cada palavra proferida por João, Adelaide tinha vontade de gritar e dar pontapés na mesa, tamanha a sua revolta e o seu ciúmes que corroia o seu coração e a sua mente.

E, em vários momentos, inventava um assunto só para fazer ciúmes ao marido, que assistia o jornal da noite tranqüilo que só. Nessa hora, o tom irônico em sua voz tomava conta do ambiente:

- João, conheci um rapaz muito simpático na padaria hoje, provocou.

- Ah é? O que ele faz?, perguntou.

- Ele é pintor. Deve fazer uns quadros lindos. Ele é tão educado e gentil, disse com sarcasmo.

- Poxa, que bacana. É bom saber que esse bairro está sendo freqüentado por pessoas cultas e de boa índole. Com isso, o valor dos imóveis sempre aumenta. Sabia?, disse.

- Sabia, João, sabia. Vem comer logo, senão o jantar esfria, pronunciou essa frase com sentimento de desprezo tão profundo que sentiu o coração doer.

- Hum...estou com uma fome, exclamou o marido.

E os meses passavam assim. Adelaide com sua angústia solitária...a cada dia novos pensamentos surgiam. Ela envelhecia sem saber direito o porquê.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

amor de mãe

17h. Sábado à tarde. Cheiro de fumaça. Sujeira. Pés descalços. Rosto trabalhador. Comércio. Samba, pagode, axé e funk se misturam com o som dos carros, dos ônibus e dos diálogos. As culturas também são diversas. Brasileiros, nigerianos, bolivianos, venezuelanos, peruanos. União. Ou falta de opção. O que existe é uma verdadeira troca de hábitos e costumes. Cada um cede de um lado e a vida vai caminhando assim...

A cada esquina, uma história diferente, mas que se completam e acabam fazendo algum sentindo. Com o avanço das horas, as ruas ficam cada vez mais vazias. Semelhante aos dias de chuva forte, quando as pessoas se recolhem em suas casas, no trabalho ou em algum canto qualquer. Nem dá para imaginar que nos outros cantos da cidade o cenário é diferente. Várias cidades dentro de uma só. Às vezes é difícil conviver com todas elas ao mesmo tempo. Mas a gente tenta. Ou finge que tenta.

Cruzamento da avenida Rio Branco com a avenida Ipiranga. Vermelho em evidência. Corpo à mostra. Batom. Unhas compridas. Salto alto. Música. Mistério. Sexo.
Ao lado, homens e mulheres ganham a vida deixando outros homens e mulheres mais bonitos. Corte masculino? R$ 10. Corte feminino? R$ 20. Pé e mão? R$ 20. Roupa branca. TV ou rádio ligados. Uma fofoquinha aqui... outra ali...mas o trabalho é intenso. Loiro. Castanho. Castanho escuro. Grisalho. Branco. Loiro claro. Loiro claríssimo. Cereja. Caju. É um festival de cores e mais cores.

Olhos mel. Pele parda. Castanho, era o cabelo. Compridos e bem ajeitados com uma fita elástica da cor preta. De segunda a sábado ela se acomoda em seu banquinho. É banquinho mesmo, pois além da altura, é pequeno de largura. Isso só para alcançar as mãos de suas (seus) clientes. Acetona para retirar o esmalte anterior. Creme sob as unhas para amolecer a cutícula. E bota a mão na água. E fica lá um tempo. Não tira antes, não. Senão, não dá pra tirar a cutícula direitinho. E toca tirar cutícula. Lixa. Base, e quando necessário, até base fortalecedora. Só para as unhas ficarem mais fortes. Massagem. Às vezes, sai até bife dali. E entre uma mão e outra, um bocadinho de prosa:

- Você é de São Paulo mesmo?, pergunta com sotaque gostoso do Nordeste.

- Sou sim. Por que?, respondo e lanço outra pergunta com curiosidade.

- Porque você é tão calma pra quem nasceu em São Paulo. Parece que é de outra cidade.

Sorrio. A resposta me surpreendeu. Respondo:

- E você, não é de São Paulo, né?

- Sou da Bahia. Nasci numa cidadezinha no interior da Bahia. Cidade da roça, sabe?

- Mora aqui faz muito tempo?

- Vim pra São Paulo quando tinha 16 anos.

De certo fiz uma expressão de espanto e disse:

- Nossa! Você veio com quem?

- Oxê, vim sozinha mesmo. Com 14 anos já sai da casa dos meus pais lá na Bahia e fui trabalhar em casa de família. Meus pais ficaram doidinhos, mas hoje eles já se acostumaram com o meu jeito. Eu faço tudo que eu quero, não gosto de depender de ninguém, não. E sempre quis ter meu dinheirinho, pra comprar as minhas coisas.

- Tá certo. Eu também sempre gostei de ter as minhas coisas. É muito bom trabalhar e ter o dinheirinho da gente mesmo. Não tem coisa melhor, respondi aprovando a idéia da minha colega.

- Hum...ainda tenho que sair e ir no shopping comprar a mochila da minha filha.

- Quantos anos tem a sua filha?

- 13 anos. Ela disse que não quer mais a mochila da Hello Kitty, agora ela quer a mochila da PUC. Disse que viu na televisão e que essa mochila combina mais com ela.

Ela me contava isso com a típica preocupação de mãe que deseja agradar o filho a qualquer custo. Ainda mais ela, que teve uma infância simples. É natural que satisfaça todos os desejos da filha. E a filha virou o assunto principal. Me contou que a menina faz inglês, catecismo e que passou com notas boas no colégio. Seus olhos brilhavam...
Quando falou das correções que algumas vezes precisava submeter à menina, era como se vivesse a situação novamente. Mãe coruja e ciumenta.

- E quando a sua filha aparecer com um namorado com casa?, provoquei.

- Deus me livre. Não quero nem pensar nisso. Já falei pra ela: você vai estudar primeiro, depois você pensa em namorar.

A gente sabe que nem sempre as coisas acontecem na mesma ordem. Mas tudo bem. É um direito de mãe.

- Não deixo ela pegar ônibus sozinha. Acho que só ano que vem, quando ela fizer 14 anos.

Lembrei quando eu também não podia sair na rua sozinha. Muitas vezes eu queria comprar um pão e a única coisa que eu podia fazer era esperar minha mãe ou meu pai chegarem do trabalho. A rua ali toda convidativa e eu olhando pela janela do quarto. Achei engraçado quando ela me contou isso e sorri com satisfação e nostalgia.

10 minutos depois e o meu lugar foi ocupado por outra pessoa.

- Obrigada. Volte sempre.

- Obrigada. Corre pra dar tempo de comprar o presente da sua filha.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

madrugada

A cidade se transforma. É o silêncio das palavras, das atitudes. Para a maioria, o dia já terminou e, em poucas horas, outro virá. Dias e dias. E a madrugada se aproxima. Faróis acesos. Temperatura baixa. Portas cerradas. Solidão e alívio. Por algumas horas, São Paulo adormece. Não, não me atrevo a usar este verbo, pois ela jamais dorme profundamente. Cochilar. É mais apropriado. Faço parte dessa realidade paulistana. Eu e milhares de pessoas. Executivos, artistas, escritores, jornalistas, médicos, enfermeiros, trabalhadores com funções diversas, moradores de rua, cachorros, gatos...e aqueles que gostam da madrugada. Os que respiram e se alimentam dela para viver.

Rumo ao Centro, um homem que aparentava os seus quarenta anos rompe o silêncio:

- Boa noite, diz com sorriso amigável.

- Boa noite, respondo de prontidão.

- Aceita uma bala? – reparo que é Halls, sabor cereja. Duas coisas de que não gosto. Agradeço a gentileza.

- Se a senhora quiser trocar a estação (de rádio), fique à vontade. Ou se quiser desligar também.

- Por mim, está tudo bem. O senhor gosta de trabalhar nesse horário?, completei.

- Até que não é ruim, sabe?! As horas passam rapidinho...tem que trabalhar, né? E você?

- Ah...eu também. Acho que já me acostumei a trocar o dia pela noite, sorrio.

- É, a gente tem que trabalhar. Eu, por exemplo, já fiz de tudo. Não sei quantos anos você tem, mas eu trabalho há quase trinta anos. Já fui funcionário, já tive meu próprio negócio, que infelizmente não deu certo. Mas graças a Deus eu sempre consegui dar uma situação confortável pra minha família. Eu não tenho dinheiro, não sou bem de vida. Mas, tudo que eu posso eu consigo.

- Tem que batalhar mesmo. A gente só consegue as coisas assim – nesse momento, lembrei de uma série de coisas que já fiz e disse:

- Eu nunca imaginei que um dia estaria aqui, mas olha só como a vida é engraçada.

- É, moça...a gente tem que aproveitar as oportunidades. E olha que elas batem na porta somente uma vez, aconselhou meu companheiro da madrugada.

Apesar das idéias clichês, há um fundo de verdade em tudo isso.

- Boa noite, bom descanso e até um dia, finalizou a conversa.

- Boa noite pra você também. Até mais.