Os contos populares e os de tradição oral resistiram até este século porque nunca deixaram de contá-los ou escrevê-los. Como um objeto precioso, fazem parte da memória de uma sociedade. Eu quero fazer o mesmo com aquela casa. Quando penso que um dia posso esquecê-la, percebo a necessidade de preservá-la. Por enquanto, será um registro escrito, aqui neste espaço. Para quem sabe, daqui uns pingos de chuva, se materializar oralmente, num canto qualquer, para olhos atentos e mentes diversas. Para chegar à casa, os habitantes da região tinham que percorrer uma rua de paralelepipido. Uma subida estreita de calçadas finas e casas baixas. Reto, à direita e à esquerda. Um muro, uma casa, outra casa e a casa. Portão baixo, de ferro. Ao lado dele havia o registro d'água, que de-vez-em-quando recebia um bilhete dos homens que cuidavam do sistema hídrico dali. Antes de chegar no segundo portão, também de ferro, porém bem maior que o outro, uma estrutura de concreto semelhante a um palco. Um pequeno jardim ao meio, com rosas vermelhas de fortes espinhos. As rosas não eram bonitas como as de uma floricultura e nem eram feias. Eram. Após cruzar o segundo portão há duas alternativas. Seguir adiante, subir uma escada de três degraus e chegar à pequena varanda ou descer uma escada com mais de três degraus e chegar ao porão. Mato precisando de uma poda. Mudas de hortelã e erva-cidreira e um pé de goiaba no final do terreno. Ervas e frutas se entrelaçavam no matagal. Cocoricô. O galo da vizinha se pronunciava duas vezes ao dia, no restinho da madrugada e ao cair da tarde.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante, e o sol da liberdade, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria nesse instante
O papagaio da outra vizinha assoviava como manda seu dono. O porão escuro e com cheiro de mofo dava vida às brincadeiras da infância. Garrafas de vidro, ferramentas quebradas. Tralhas. Pedrinhas que sobraram de alguma reforma permaneciam ali. Uma grade de ferro também. Objetos, que jogados no porão, viravam parte da estrutura física da casa. Ninguém os tirava do lugar. Lá em cima é a varandinha de piso riscado e vaso verde claro. Dentro do vaso morava uma planta tão esquisita. Por ser assim, dava curiosidade de pegar, apertar, só para ver se saia alguma coisa de dentro. Entrada. Sala e quarto separados por uma porta alta, da altura da construção. Móveis de madeira escura e pesada. Renda, tricô e bordado. Tudo expirava um quê e um ser de antigo, desbotado, em promoção, empoeirado. E ao mesmo tempo, um quê e um ser de aconchego. Eu queria registar aquela casa.
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