segunda-feira, 11 de setembro de 2017

sem palavras...


Quando as ideias tomam conta da gente
Quando os pensamentos dominam todo o corpo, não só a cabeça
Eles percorrem e preenchem os espaços
Como um gás
Que infla
Que incha
Que me deixa sem palavras...

As palavras e a expressão só podem existir e há espaço dentro de si, se há vazio.

Preencho o vazio, mas o vazio permanece
Deixa ser apenas vazio, para que nele possam nascer as palavras.



quarta-feira, 10 de maio de 2017

pensamento I

Se eu não enjoasse no carro, teria começado a escrever este texto dentro no uber mesmo, tamanha força com que as palavras têm insistido em sair. Como quem chega em casa com vontade de fazer xixi e sai correndo em direção ao banheiro, eu sai correndo para pegar o caderno, a caneta, e dar vida aos pensamentos.

Durante o trajeto até em casa, tive que "segurar" as palavras. Não sei exatamente como fiz isso e como esse ato se processou internamente. Figuradamente é como se as palavras estivessem dentro de um quarto, localizado no sótão, e eu me posicionasse atrás da porta, segurando-as com o corpo, numa brincadeira de pega-pega. Fiz isso pelo medo de perdê-las.

Ao sair desse lugar, é como se uma avalanche descesse a escada: solta, veloz, totalmente sem controle.  Ultimamente o ato de escrever tem se materializado dessa forma.

O que mudou?
A autocrítica e a censura.
É claro que elas ainda existem dentro de mim. Converso com as duas todos os dias, mais de uma vez por dia até. A diferença é que agora elas não me dominam mais. Deixar a vida nas mãos dessas duas bruxinhas é assinar a carta da morte. Um tanto dramático, eu sei, porém real.

Com elas, nada se cria
Sem elas, tudo é possível

Com elas, a prisão do pensamento e da expressão
Sem elas, o salto no abismo

Com elas, a ilusão do caminho iluminado
Sem elas, a escuridão que leva ao redescobrir do mundo e do "eu"

segunda-feira, 8 de maio de 2017

essa roupa não me serve mais

Era a roupa mais bonita da vitrine. Cheia de brilho e vida, ela seduzia quando passávamos por ela. Vesti.

No começo pareceu-me desconfortável, mas com um ajuste aqui e outro ali foi possível vesti-la por anos e anos.

 - Quando ela deixou de servir? Pergunto-me
(Diálogos internos presentes desde sempre)
Faz um bom tempo, na verdade.
Mas, por ela já ter me deixado feliz e me feito "brilhar" algumas vezes, fui me adaptando.

Rasgou? Costura
Sujou? Lava
Amassou? Passa
Desbotou? Tinge
Encolheu? Adapta

Todos esses "defeitos" foram possíveis de conserto. Só tem um que não: olhar no espelho e perceber que com essa roupa você virou um personagem, cujo ensaio é desgastante. Decorar as falas é cada dia mais cansativo. 

É preciso despir o personagem.
Essa roupa não me serve mais.


segunda-feira, 10 de abril de 2017

é tempo de colorir...

Não me lembro como foi o meu primeiro contato com a arte de Van Gogh. Talvez tenha sido nas aulas de história da arte da faculdade. Ou não. Quando conheci o quadro “A noite estrelada” senti que “ele” conversou comigo, algo do tipo:

- olá, Eny. O que você sente ao ver essa imagem?

Se existisse a possibilidade de conversar com quadros – fora do universo de Harry Potter, por exemplo – acredito que responderia o seguinte:

- O céu em movimento me leva a lugares ainda não explorados. É como se fosse um convite para conhecer mais o mundo, nas suas formas, conhecimentos, sabores e, principalmente nas suas cores.

 Ah...as cores...marca do trabalho de Van Gogh. Brincava com elas e assim conseguia criar um mundo só seu. Cores opostas, cores para aumentar a expressividade das suas pinturas, cores em movimento.

Sempre gostei do colorido. Uma caixa de lápis de cor, imagem deste blog, é um exemplo disso. Quanto mais colorido, mais alegre, mais possibilidades, mais caminhos, mais energia, mais sonhos, mais fantasia.

E essa é a vontade deste ano. Colorir os pensamentos, colorir os projetos, colorir os caminhos. Como uma criança que se depara com um desenho contorno e precisa preenchê-lo com cores.

Se alguém me perguntar qual é o meu desejo para 2017, a resposta é: eu quero colorir a vida!

segunda-feira, 20 de março de 2017

raízes

Quando o táxi pegou a estrada de muitas curvas e vinhedos, paisagem típica da região do Douro, eu sabia que era ele. Na noite anterior havia falado com a sua nora e avisado que faria uma visita naquele domingo de sol com temperatura fria, como o do bons outonos.

Eu sabia que era ele porque, apesar de ser mais alto do que o meu avô, seu jeito de andar e seu corpo eram, digamos assim, da família. Naquele momento não passou pela minha cabeça que poderia confundi-lo com algum outro morador daquela pequena vila, onde viviam no máximo cem pessoas, na sua maioria idosos.

- Pode parar perto daquele senhor, por favor. Pedi ao motorista de táxi, que por sinal também lembrava o meu avô, não só pela forma de pronunciar as palavras, mas pelo jeito mais inocente e humilde.

Quando o táxi parou no meio da estrada, o tio Manoel virou-se e nos abraçamos como se já nos conhecêssemos desde o dia em que eu nasci. Seus olhos encheram de lágrimas e os meus também. Ao fundo, aquela linda paisagem do Douro, e o táxi parado a nossa espera. Daria uma bela fotografia onde a legenda poderia ser o encontro. Reencontro não poderíamos chamar, pois nunca tínhamos estado juntos antes.

Seguimos caminhando pela estranha, ele ainda bastante surpreso por receber a visita de uma sobrinha-neta do Brasil, e eu mais ainda por estar vivendo algo que não foi tão planejado. Comprei a passagem na noite anterior, viajei durante 5 horas para chegar numa cidade onde a única referência que eu tinha era o nome da família e um telefone. Mas, meu receio era de que ninguém acreditasse na minha história.

- Olá, meu nome é Eny. Você não me conhece, mas eu sou a neta do José Maria e estou aqui na cidade de Tabuaço. Gostaria muito de conhecê-los, posso ir aí amanhã? – foi assim que eu fiz o meu primeiro contato com a família, pelo telefone do hotel onde me hospedei na praça principal da cidade.

A vila de Santa Leocádia, onde meu tio Manoel morava com a família e onde meu avô nasceu, ficava a uns 15 minutos da cidade de Tabuaço. Passada a dúvida inicial deles me aceitaram como da família ou não, naquele dia, virei atração na vila.

- Olha a menina brasileira! Venham conhecer a menina brasileira! – diziam todos

Foram frases pronunciadas durante toda a tarde. Confesso que me senti uma atração de circo.  Já posso dizer que tive meus minutos de fama na vida.

Conheci a casa onde o meu avô nasceu, a igreja em que ele foi batizado, todos os parentes possíveis da família, que infelizmente não consegui gravar o nome de todos, e experimentei uma infinidade de comidas, frutas, além de beber vinho, feito com as uvas ali do quintal.

Antes do meu avô falecer, no meu aniversário de 19 anos, era comum ele nos receber com um banquete: vários tipos de pães, queijos e doces. Ele não era uma pessoa que dizia “eu te amo”, por exemplo, mas para mim essa era a sua maior demonstração de amor e de carinho.

Naquela tarde eu reconheci esse jeito em todas aquelas pessoas que me receberam, além do meu tio Manoel. E fiquei pensando que, por mais que a vida tome outro rumo - como no caso do meu avó que deixou Portugal aos 20 anos e viajou quase dois meses num navio rumo ao Brasil -, as nossas raízes permanecem. É como se elas fossem o nosso DNA de alma.

Na segunda-feira de manhã, no escritório, me perguntaram o que eu fiz no final de semana.

- Fui conhecer o meu tio-avô, disse
- Não sabia que você tinha um tio-avô, falou surpresa uma das colegas do trabalho

- Pois é. Acho que ele também não sabia que tinha uma sobrinha-neta