segunda-feira, 20 de março de 2017

raízes

Quando o táxi pegou a estrada de muitas curvas e vinhedos, paisagem típica da região do Douro, eu sabia que era ele. Na noite anterior havia falado com a sua nora e avisado que faria uma visita naquele domingo de sol com temperatura fria, como o do bons outonos.

Eu sabia que era ele porque, apesar de ser mais alto do que o meu avô, seu jeito de andar e seu corpo eram, digamos assim, da família. Naquele momento não passou pela minha cabeça que poderia confundi-lo com algum outro morador daquela pequena vila, onde viviam no máximo cem pessoas, na sua maioria idosos.

- Pode parar perto daquele senhor, por favor. Pedi ao motorista de táxi, que por sinal também lembrava o meu avô, não só pela forma de pronunciar as palavras, mas pelo jeito mais inocente e humilde.

Quando o táxi parou no meio da estrada, o tio Manoel virou-se e nos abraçamos como se já nos conhecêssemos desde o dia em que eu nasci. Seus olhos encheram de lágrimas e os meus também. Ao fundo, aquela linda paisagem do Douro, e o táxi parado a nossa espera. Daria uma bela fotografia onde a legenda poderia ser o encontro. Reencontro não poderíamos chamar, pois nunca tínhamos estado juntos antes.

Seguimos caminhando pela estranha, ele ainda bastante surpreso por receber a visita de uma sobrinha-neta do Brasil, e eu mais ainda por estar vivendo algo que não foi tão planejado. Comprei a passagem na noite anterior, viajei durante 5 horas para chegar numa cidade onde a única referência que eu tinha era o nome da família e um telefone. Mas, meu receio era de que ninguém acreditasse na minha história.

- Olá, meu nome é Eny. Você não me conhece, mas eu sou a neta do José Maria e estou aqui na cidade de Tabuaço. Gostaria muito de conhecê-los, posso ir aí amanhã? – foi assim que eu fiz o meu primeiro contato com a família, pelo telefone do hotel onde me hospedei na praça principal da cidade.

A vila de Santa Leocádia, onde meu tio Manoel morava com a família e onde meu avô nasceu, ficava a uns 15 minutos da cidade de Tabuaço. Passada a dúvida inicial deles me aceitaram como da família ou não, naquele dia, virei atração na vila.

- Olha a menina brasileira! Venham conhecer a menina brasileira! – diziam todos

Foram frases pronunciadas durante toda a tarde. Confesso que me senti uma atração de circo.  Já posso dizer que tive meus minutos de fama na vida.

Conheci a casa onde o meu avô nasceu, a igreja em que ele foi batizado, todos os parentes possíveis da família, que infelizmente não consegui gravar o nome de todos, e experimentei uma infinidade de comidas, frutas, além de beber vinho, feito com as uvas ali do quintal.

Antes do meu avô falecer, no meu aniversário de 19 anos, era comum ele nos receber com um banquete: vários tipos de pães, queijos e doces. Ele não era uma pessoa que dizia “eu te amo”, por exemplo, mas para mim essa era a sua maior demonstração de amor e de carinho.

Naquela tarde eu reconheci esse jeito em todas aquelas pessoas que me receberam, além do meu tio Manoel. E fiquei pensando que, por mais que a vida tome outro rumo - como no caso do meu avó que deixou Portugal aos 20 anos e viajou quase dois meses num navio rumo ao Brasil -, as nossas raízes permanecem. É como se elas fossem o nosso DNA de alma.

Na segunda-feira de manhã, no escritório, me perguntaram o que eu fiz no final de semana.

- Fui conhecer o meu tio-avô, disse
- Não sabia que você tinha um tio-avô, falou surpresa uma das colegas do trabalho

- Pois é. Acho que ele também não sabia que tinha uma sobrinha-neta

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