segunda-feira, 20 de outubro de 2008

toque-me, sou teu

Dedos frágeis, mas cheios de intenção. Brancos. Cabelos que alertavam para a sua avançada idade. Um par de brincos em forma de borboleta. Jóia com aparência de antiga. Sapatilha preta de pano, da marca Moleca, iguais as que a minha avó usava. Eu sai da Estação Santa Cecília do metrô e vi algumas pessoas em volta de um piano. Uma senhora de 82 anos, de Lins, interior de São Paulo, acomodava as mãos sobre o instrumento. À direita, um jovem acompanhava com uma flauta. À esquerda, um homem segurava as folhas da partitura que insistiam em voar, no cair da tarde. Quando a senhora virou-se para a platéia, a fim de agradecer os aplausos, seus olhos azuis falaram:
- O piano está ruim, disse como forma de pedir desculpas pelos pequenos erros que havia cometido.
De fato, algumas teclas estavam com problema, mas isso não foi um obstáculo para a pianista e seu neto. Canções de Tom Jobim, Pixinguinha, Chico Buarque, Elias Regina, entre outros, foram reproduzidas com delicadeza e talento. E a platéia aumentava cada vez que um novo vagão parava na estação. Uns cantavam, outros apenas olhavam. Jovens, pais, filhos, senhoras e senhores, moradores de rua. Todos ficaram ali para ouvi-la. Como num show, as pessoas pediam suas músicas favoritas. A senhora se animava e ao mesmo tempo se queixava:
- Estou com dor nas costas. Levanta a mão quem tem mais de 80 anos.
Nenhuma mão levantada, até que surge um senhor:
-Eu tenho 84 anos, disse.
A artista deixou o banco do piano de lado e foi cumprimentá-lo. Depois, um pouco de tango. Da próxima vez que tirei os olhos da senhora, contei quase 40 pessoas em sua volta. Pausa.
- Isso aqui é coisa de primeiro mundo, levantou-se
- Na minha época, ensinava-se música nas escolas. Vocês, jovens, precisam estudar. Pera aí que eu vou mostrar uma coisa. Tirou um recorte de jornal de sua pasta de partituras.
- Leiam, o que está escrito aqui?, perguntou.
- Enfim, músicas nas escolas outra vez! Quem escreveu foi o Júlio Medaglia, um grande maestro, explicou.
O texto falava sobre a lei aprovada em agosto deste ano pelo presidente Lula, que inclui o ensino de música no currículo da educação básica. O projeto "Toque-me, sou teu" foi uma iniciativa do artista inglês Luke Jerram, que espalhou oito pianos pela cidade. A intervenção fez parte da Mostra Sesc de Artes que terminou no último sábado, dia 18.

2 comentários:

Ricardo Cazarino disse...

Olá! Lindas palavras para retratar um momento único e contradiário que ocorre pelas ruas de São Paulo. Um projeto formidável de cultural de livre acesso onde não há preconceitos. Todos se tornam um só...sem cor, sem raça, sem medo...os olhares mais distantes em um único foco..a arte a céu aberto tem esse poder de unir povos e parar, pelo menos por alguns segundos, a vida corrida da cidade.
Bjs

Grupo Parampará disse...

Que lindo! Puxa, pena que a correria não permitir passar pelos Sescs...
Um beijo grande da Denise