terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

ciúmes

A cada tic-tac do relógio Adelaide roia as unhas. Tic-tac...
À espera do marido, João, há pouco mais de vinte minutos, não conseguia conter a ansiedade e os pensamentos.

“Ele foi se encontrar com a vendedora da loja de jóias e se atrasou.”

Joana, a tal vendedora, era uma mulher de trinta e pouco anos. Casada, mãe de dois filhos. Desde que ela sorrio para o marido na padaria e pronunciou um inocente “Olá, como vai?”, a esposa o encheu de perguntas sobre a origem da mulher e agora
não consegue pensar em outra coisa.

“Com certeza eles têm um caso. Deve ser por isso que João diz ter aquelas reuniões de terça à noite, só pode ser.”

O marido conheceu Joana quando voltava do trabalho e resolveu olhar a vitrine da loja. A aliança de 10 anos de casado já estava apertada, devido aos quilos a mais, e ele pensava em trocá-la, caso sobrasse algum dinheiro no fim do mês.

Não havia reparado na vendedora, quando Joana se aproximou:

- Olá senhor, posso ajudar?, perguntou com a presteza de uma boa funcionária.

- Olá...é....estava olhando essa aliança aqui. Bonita, né?, respondeu embaraçado.

- Sim. Essa é uma das mais caras que temos aqui na loja.

- Entendo. É... eu só estava olhando mesmo, se explicou com um pouco de vergonha.

- Só por curiosidade, quanto custa?

- Mil e duzentos reais. Podemos parcelar em até 12 vezes, se o senhor quiser.

- Ah sim. Obrigado. Até logo.

Com o salário que ganhava para auxiliar um advogado, seria difícil conseguir comprar aquele anel. Pensou até em parcelar em 12 vezes, como a moça havia sugerido, mas não era adepto a esse tipo de pagamento. Era do tempo do dinheiro vivo. Se não tem, não compra. E não tem conversa.

Desde aquele fim de tarde, passara algumas vezes na frente da loja, mas não possuía coragem para ficar apenas olhando os produtos. Tinha receio e medo de si mesmo.

“Vou acabar comprando aquela aliança. Adelaide vai ficar zangada por ter gasto um dinheiro que poderia pagar a conta de luz ou fazer o supermercado do mês. Melhor não.”

Contido nos seus reprimidos pensamentos, nem imaginava que a mulher não parava de pensar em Joana e jurava, por Santo Expedido, divindade da qual tinha muita fé e respeito, que o marido a traía.

Beijos ardentes. Declarações de amor. Presentes. Carinhos e confidências. Adelaide fantasiava. E, assim, quando o marido chegava do trabalho, não conseguia conter o ciúmes.

- Oi Dê – abreviação carinhosa que concedeu à esposa desde os tempos de namoro – como foi o seu dia?.

- Normal, respondeu friamente sem levantar o rosto do feijão que estava “escolhendo” para cozinhar naquela noite.

- Nossa, estou tão cansado hoje. Bem que você poderia fazer aquela massagem nas minhas costas, né? Aquele remédio pra dor não está adiantando muito, disse tentando estabelecer um diálogo com a esposa.

“Seu vagabundo. Dorme com a outra e ainda vem me pedir para fazer massagem?”, pensou indignada. A cada palavra proferida por João, Adelaide tinha vontade de gritar e dar pontapés na mesa, tamanha a sua revolta e o seu ciúmes que corroia o seu coração e a sua mente.

E, em vários momentos, inventava um assunto só para fazer ciúmes ao marido, que assistia o jornal da noite tranqüilo que só. Nessa hora, o tom irônico em sua voz tomava conta do ambiente:

- João, conheci um rapaz muito simpático na padaria hoje, provocou.

- Ah é? O que ele faz?, perguntou.

- Ele é pintor. Deve fazer uns quadros lindos. Ele é tão educado e gentil, disse com sarcasmo.

- Poxa, que bacana. É bom saber que esse bairro está sendo freqüentado por pessoas cultas e de boa índole. Com isso, o valor dos imóveis sempre aumenta. Sabia?, disse.

- Sabia, João, sabia. Vem comer logo, senão o jantar esfria, pronunciou essa frase com sentimento de desprezo tão profundo que sentiu o coração doer.

- Hum...estou com uma fome, exclamou o marido.

E os meses passavam assim. Adelaide com sua angústia solitária...a cada dia novos pensamentos surgiam. Ela envelhecia sem saber direito o porquê.

7 comentários:

Ricardo Cazarino disse...

Olá! Uma história bem intrigante! Você leva o leitor para dentro da vida do casal e quer compartilhar desse drama. Infelizmente, muitas pessoas agem dessa forma, sofrem solitárias ao invés de buscarem a verdade. Se deixam levar pelos pensamentos. O texto flui e depois com "gostinho de quero mais". rs
Bjs

Yara Verônica Ferreira disse...

é de pirar quanta gente viaja em imagens que não existem... bem pensado... obrigada pelo prazer da leitura

Unknown disse...

Não entendo porque as pessoas passam uma existência juntas se não se gostam de verdade.
Uma, ou as duas, fica formulando teorias e chegando a conclusões sem sentido aparentemente para preencher o espaço causado por uma vida sem graça, rotineira.... "quanto está o pão? bom dia! boa tarde!! boa noite!!!".
Infelizmente me parece natural que esse vazio, que anda de mãos dadas com a falta de esperança, provoque o ciúme, uma manifestação do orgulho.
Ele sufoca o amor e, se não "tratado", te conduz às bodas de ouro com um "inimigo íntimo".

maria carolina maia disse...

muito bom, eny!! o final é ótimo, triste, natural... beijo!

Unidos Somos Mais disse...

Gostei muito da história, porque conta de ciúmes duentio entre o casais, e quando isso ocorre a confiança vai embora.
Todos as suas histórias são ótima!!!
Parabens!!!
Beijão!!

O Lobo disse...
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O Lobo disse...
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