segunda-feira, 27 de outubro de 2008

quem quiser que conte outra

Durante onze dias, a cidade de São Paulo foi palco de histórias. Bibliotecas e parques receberam diversos artistas do 4º Festival a arte de contar histórias. Consegui acompanhar apenas três eventos, mas a experiência foi intensa e única. Acompanhem no texto a seguir:

cultura indígena

Como já contei aqui neste espaço, a Biblioteca Hans Christian Andersen é especializada em contos de fadas. Por isso, quando você visitá-la terá a impressão de fazer parte de um deles. Há um cantinho especial com mesas coloridas para as crianças, um soldadinho de chumbo com cerca de quatro metros de altura, tapetes azuis e estantes de livros em forma de castelo.

Na primeira apresentação que acompanhei, as crianças se espalharam pelo tapete, enquanto os adultos, mais contidos, ocuparam as cadeiras. Eu e alguns amigos do curso de contadores seguimos os pequenos. A atriz Gabriela Hess conduziu o conto A noite e o sol, Tainá, nascemos para brilhar com doçura e sensibilidade. Pés descalços, trajes brancos e olhar atento para cada reação da platéia. Nos livros sobre essa arte, os autores dizem que o contador deve ser a própria história. E eu vi cada personagem ali.

Sentada no chão, Gabriela chamou a todos para contar a segunda história. "Uma aluna escreveu e eu achei bonito. Queria que todos participassem. Vou contar o começo e vocês dão a seqüencia", disse. Era uma história de amor entre dois índios de tribos rivais. Teve criança tímida, inocente, intelectual e sapeca. Um garoto de sorriso bangela se divertia sozinho. O motivo da graça era o prazer em deixar a índia careca. Assim, quando chegava a sua vez, não hesitava e dizia "ai ele rapou o cabelo dela". Gargalhadas.

Nessa hora, os pais que estavam presentes já se soltaram um pouco e resolveram participar junto com os filhos. Como a temática da contadora foi indígena, ao final ela ensinou uma dança circular para celebrar a natureza, a grande mãe. Água, terra e fogo foram representados no meio da roda. De mãos dadas:

Mãe eu te sinto sobre os meus pés

Mãe eu escuto teu coração bater

Heya, Heya, Heya, Heya, oh

Heya, Heya, Heya, Heya, ooooh

Terra pe meu corpo

Água é meu sangue

Ar é meu sopro

e fogo é meu espírito

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

percussão

corpo. deixa o som
que sai do teu.
corpo. a melodia surge
é teu, é meu, é dele.
vida. deixa a energia
que circula pela tua.
vida. balança, surpreende.
enche o peito e vibra.

toque-me, sou teu

Dedos frágeis, mas cheios de intenção. Brancos. Cabelos que alertavam para a sua avançada idade. Um par de brincos em forma de borboleta. Jóia com aparência de antiga. Sapatilha preta de pano, da marca Moleca, iguais as que a minha avó usava. Eu sai da Estação Santa Cecília do metrô e vi algumas pessoas em volta de um piano. Uma senhora de 82 anos, de Lins, interior de São Paulo, acomodava as mãos sobre o instrumento. À direita, um jovem acompanhava com uma flauta. À esquerda, um homem segurava as folhas da partitura que insistiam em voar, no cair da tarde. Quando a senhora virou-se para a platéia, a fim de agradecer os aplausos, seus olhos azuis falaram:
- O piano está ruim, disse como forma de pedir desculpas pelos pequenos erros que havia cometido.
De fato, algumas teclas estavam com problema, mas isso não foi um obstáculo para a pianista e seu neto. Canções de Tom Jobim, Pixinguinha, Chico Buarque, Elias Regina, entre outros, foram reproduzidas com delicadeza e talento. E a platéia aumentava cada vez que um novo vagão parava na estação. Uns cantavam, outros apenas olhavam. Jovens, pais, filhos, senhoras e senhores, moradores de rua. Todos ficaram ali para ouvi-la. Como num show, as pessoas pediam suas músicas favoritas. A senhora se animava e ao mesmo tempo se queixava:
- Estou com dor nas costas. Levanta a mão quem tem mais de 80 anos.
Nenhuma mão levantada, até que surge um senhor:
-Eu tenho 84 anos, disse.
A artista deixou o banco do piano de lado e foi cumprimentá-lo. Depois, um pouco de tango. Da próxima vez que tirei os olhos da senhora, contei quase 40 pessoas em sua volta. Pausa.
- Isso aqui é coisa de primeiro mundo, levantou-se
- Na minha época, ensinava-se música nas escolas. Vocês, jovens, precisam estudar. Pera aí que eu vou mostrar uma coisa. Tirou um recorte de jornal de sua pasta de partituras.
- Leiam, o que está escrito aqui?, perguntou.
- Enfim, músicas nas escolas outra vez! Quem escreveu foi o Júlio Medaglia, um grande maestro, explicou.
O texto falava sobre a lei aprovada em agosto deste ano pelo presidente Lula, que inclui o ensino de música no currículo da educação básica. O projeto "Toque-me, sou teu" foi uma iniciativa do artista inglês Luke Jerram, que espalhou oito pianos pela cidade. A intervenção fez parte da Mostra Sesc de Artes que terminou no último sábado, dia 18.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

indispensáveis

sou grata por existirem. instrumentos musicais, batom, lápis de cor, flores, mar, incenso, perfume, livro, camomila, maracujá, cores, crianças, árvore...

homenagem

um brinde aos artistas de todos os gêneros e áreas. do teatro, da dança, do circo, da rua. aos que carregam a arte no peito, que pulsa junto com o coração. seja por meio de palavras, sons, gestos, objetos ou até mesmo do silêncio. independente de prêmios e rostos em capas de revistas famosas. a arte pode surgir em qualquer canto. se faz sentido para alguém. aplausos para os artistas que mostram o que eles têm de melhor. é brega pra você? mas para outros, não. depende do alimento que você procura. ela existe para todos. em diferentes formatos. uma linha especial para os músicos, maestros e compositores. termino este post com indicação de dois vídeos com belas músicas. como não consegui adicioná-los aqui, aí vai o link:

terça-feira, 7 de outubro de 2008

para acessar

É incrível como a pesquisa na internet te leva para lugares que você nem imaginava existir. Um texto pode ter um link para algum autor, que indica um livro e assim vai. Quando você percebe, nem sabe por onde a pesquisa começou. Eu, por exemplo, cheguei num link dentro do site da Secretaria da Cultura, meio sem querer. O melhor desse acontecimento é que esse espaço será extremamente útil para as minhas pesquisas e buscas de cursos e oficinas. Estou tão feliz! Aproveito para repartir essa alegria com vocês. Só clicar aqui.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

presença corporal

Há alguns anos, quando comecei a ler sobre yoga e dança contemporânea, o tema que dá título a esse texto me foi apresentado. Encontrei-o em alguma publicação ou apresentação de curso relacionado à dança. Ah, e como eu tinha medo de participar de uma aula dessas! Na verdade, existia mais uma sensação que envolvia a tal da presença corporal. Era a curiosidade. Vontade de conhecer, com medo do desconhecido. Resumindo, um sentimento que quase 100% das pessoas têm, vamos ser sinceros. O medo é o que nos firma numa situação de segurança ilusória, isso sim.

Com a prática da yoga, esse receio foi transformando-se em neblina. Você está dirigindo na serra e a neblina surge. Você deixa de enchergar o seu trajeto, mas logo ela se dissolve. Por meio da famosa e divulgada filosofia milenar, me soltei e permiti que meu corpo se ampliasse. Sem vergonha nem julgamento.

Assim, no último sábado de setembro, quando Andréa Egydio, mestre em artes cênicas pela USP, anunciou que o tema daquela aula do curso de contadores de história seria a dita cuja, fiquei tranqüila. Nas primeiras duas horas, Andréa pediu para que prestássemos atenção na respiração. Sentir o ar entrando e saindo dos pulmões. Observar a posição da coluna.

O próximo exercício foi tão relaxante que quase dormi em pé. Organizou-se duas filas indianas e tivemos que reparar no andar do colega da frente. Aí fazíamos o seguinte: inspira, expira, anda meio passo. "Serão apenas cinco minutos, mas vocês vão achar que foi uma eternidade", alertou a professora. O ato de reparar no ar que entra e sai acalma os sentidos.

Depois, fizemos duplas e ficamos cara a cara com o amigo. Nessa hora eu pensei que ela fosse fazer a brincadeira do quem ri primeiro. Boba eu, né? E já ameacei a rir. Mas não foi isso, não. Era para repararmos no corpo do outro e encontrar qual região ainda estava tensa, rígida.

Durante a pausa para o café, fiquei me perguntando de que forma iríamos aplicar esses conceitos na hora de contar uma história. Eu não vi muita coisa. E foi bom, pois me surpreendi. Todos sentaram no chão, em formato de platéia e, alguns voluntários ficaram em pé, um por vez. Justamente para mostrar o momento da chegada de um contador de história.

A maioria dos cobaias ficou tenso. Corpo duro, olhos sérios, lábios cerrados. Se eu tivesse sido chamada para estar lá, também ficaria dessa forma. Não é nada fácil. Conforme a professora passava as instruções do tipo "relaxa, respira", eles foram se soltando. "É na chegada que você dá o tom da sua apresentação. Você pode cativar ou não o seu público", explicou Andréa.

Com essa demonstração, comecei a entender em que lugar entra a respiração. É literalmente a presença corporal. Ou seja, estar presente ali com seu corpo e suas intenções. Por exemplo, você estende o braço e sente de fato essa estensão. "O importante aqui é a qualidade do gesto e não a quantidade. De que adianta mexer o corpo inteiro, sem estar presente, sem receber um retorno da platéia?", questionou.

domingo, 5 de outubro de 2008

Stanislaw Ponte Preta

Esse é o pseudônimo do carioca Sérgio Porto. Jornalista, radialista, humorista e escritor das décadas de 50 e 60. O primeiro e único contato que tive com os seus textos faz pelo menos uns dez anos. Minha mãe, que na época era professora de 1º grau, tinha um livro com um de seus contos. Achava o texto engraçado e lia diversas vezes durante o ano. Cresci e esqueci dele. Nós mudamos de apartamento e não me lembro se esse livro nos acompanhou. Vou procurá-lo. O escritor permaneceu esquecido até quinta-feira, dia 2, quando um jornalista do trabalho "descartou" alguns livros. Não é que dei de cara com um do Ponte Preta! A obra chama-se "Máximas de Tia Zulmira". São 140 páginas com frases da Tia, um dos personagens-pseudônimos do autor. Foi bom reencontrá-lo agora. Selecionei algumas frases bacanas para compartilhar com vocês:
  • Viver é fácil; saber viver é que é dureza.
  • Se não existisse o mau gosto ninguém plantava jiló.
  • Quem não arrisca não petisca, quem não chora não mama, quem não morre não vê Deus.
  • As crises políticas nacionais são tratadas de maneira tão sensacionalista pela imprensa brasileira que, se a gente estiver no estrangeiro, ao ler um jornal brasileiro tem a impressão que, ao voltar, não encontrará mais o país. (Pelo jeito, nada mudou)
  • Malandro prevenido dorme de botina.
  • Se ginga fosse malandragem o pato era o rei dos malandros.

Quem quiser conhecer o conto que li quando era criança, acesse aqui. Divirtam-se!

paixão

Palavra que pode ser facilmente substituída por tesão por alguma coisa (e não por alguém, neste caso). Algo de que você não vive sem. Usando uma frase comum nas letras românticas de música, é a conhecida "razão de viver". O que dá sentido pra tua vida. O que te faz caminhar. Pedras no caminho? Até Drummond teve. Mas segue. Eu tenho observado as paixões das pessoas. Elas vão desde cozinhar até adquirir conhecimento. Pode ser qualquer coisa (sem levar para o lado pejorativo). Você não a escolhe, você descobre. Sente. Olha e se vê ali. Eu faço parte disso. Quase inerente ao teu corpo, a tua alma. Qual é a tua paixão? Aqui cabe no plural. Para que os dois (três?) leitores deste blog não se sintam sós, também vou responder. Café. Tudo bem, você deve estar se perguntando de que maneira o café me faz seguir em frente. Que cômico! Mas vejam, a palavra necessita de um complemento, que já explico. O café me faz seguir, sim. Fisicamente, é claro. E não acontece só comigo. Mas o que eu quero dizer aqui é que os momentos que envolvem uma ou mais xícaras de café são capazes de me completar. Conseqüentemente, eu continuo. Não sinto falta de nada. É aquilo e pronto. E você? Prometo que ainda vou comentar sobre outras paixões. Elas estão surgindo...
Um parêntese. (quando fui publicar este texto, começou a tocar Anunciação, do Alceu Valença. "...Na bruma leve das paixões que vêm de dentro..."