terça-feira, 29 de abril de 2008

jogando no quintal


O objetivo é ver um sorriso nascer. Pode ser um sorriso que mostre todos os dentes e, muitas vezes, até a gengiva. Aquele mais acanhado, que mexe discretamente os lábios e os olhos acompanham. Tem aquele que sorri com o corpo inteiro. Os braços se movem, as pernas balançam. Ou ainda os que sorriem e gargalham ao mesmo tempo. E também o que sorri batendo palma. E que sorri por dentro. Sua boca que não se mexe, mas seu coração acende e seus olhos também. Há lugar para todos no mundo.

Para os que leram esse pequeno texto e ficaram se perguntando o porquê do título, eu já explico. Jogando no Quintal é uma apresentação de improvisação de palhaços. O trabalho desse pessoal é muito interessante. Quem quiser conferir, acesse o site www.jogandonoquintal.com.br. A minha idéia era escrever algo sobre esse espetáculo, por isso o título. Mas, optei por não descrever o que eu vi exatamente, apenas a impressão mais forte que tive. O resto vocês podem imaginar como foi. A fantasia está à disposição. Aproveitem!

as seringueiras

Moro no centro há quase três anos. Os outros vinte anos da minha existência foram vividos na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. Bairro acolhedor, festeiro e cheio de história. Minha família inteira sempre morou por lá. E os amigos, feitos pelo bairro, estão lá até hoje. Minha rua era tranqüila. Todos os dias, ao abrir a janela, me deparava com as enormes seringueiras que davam vida aquele pedaço de terra. Na verdade, a minha rua eram duas. Tinha a rua de cima e a rua de baixo. Eu morava na rua de baixo, mas conseguia ver a rua de cima. Aliás, a rua de cima era muito mais movimentada. Pois era o caminho mais rápido para chegar nas outras ruas do bairro. Nessa rua de cima existe uma valeta bem no meio. Com freqüência ouvia o barulho dos carros que por ali passavam e não reduziam a velocidade. Quando criança, reparava no jeito que meu pai passava por ela. Reduzia a marcha e ia pelo canto direito, bem devagar. Mesmo com esse truque, muitas vezes a carcaça do automóvel pegava o asfalto. Quando isso acontecia, sentia como se estivesse pisando no chão. Não sei se era uma coisa normal de se sentir ou era o carro do meu pai que precisava de conserto. Imaginava também que quando eu aprendesse a dirigir, ia fazer igual ao meu pai, pra não machucar o carro. Próxima a valeta mas, um pouco a frente, morava um casal de senhores, bem velhinhos. Depois do almoço, o senhor sentava-se embaixo de uma das seringueiras, em uma cadeira de praia daqueles modelos mais antigos com o encosto até metade das costas. A cadeira era vermelha e branca. Não sei calcular o tempo que ele permanecia ali, mas na minha impressão de criança ficava por uma hora ou mais. Sentado, apenas observando o movimento da rua de baixo, a minha. Ele ficava de costas para a sua casa e para os carros. Acho que preferia a minha rua, pois ali passavam cachorros, gatos, crianças e outros senhores como ele. Algumas vezes por ano acordava com o barulho de uma serra elétrica. Cerca de quatro homens podavam as árvores. Assim eu conseguia ver a rua de cima inteira. Todas as casas, as pessoas que circulavam, os carros, as bicicletas. E ficava imaginando, "quem pediu para fazer isso nas árvores?". Naquela época eu nem tinha noção do que era Subprefeitura, Prefeitura, etc. Não tinha noção de muitas coisas. E vivia mesmo assim.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

o vazio

Abro o jornal. Notícias e mais notícias. Letras, histórias, imagens, idéias, palavras, sentidos. Muitas coisas acontecendo. O mundo está vivo. Mas hoje, pra mim, isso não significa nada. Absolutamente nada.

o sonhador


Pacheco era jovem. Muito jovem. 25 anos (quase) bem vividos. Formou-se naquilo que sempre sonhou e, com isso, sentia que tinha feito algo na vida. Alto, cabelos negros, olhos expressivos, algumas vezes não sabia ao certo o que queria. Mas sabia o que não lhe agradava. Lia muito. Lia tudo. Lia, lia, lia, o tempo inteiro. Certo dia alguém lhe disse que mente vazia é um prato cheio para pensamentos ruins e inúteis. Então, mantinha a necessidade de estar sempre informado e, de preferência, lendo. Nem sempre conseguia absorver tudo o que estava escrito, mas seguia mesmo assim. Sua mente sossegava nos momentos de profunda preguiça. Aí seu caminhar era lento, cada passo era feito bem devagarzinho. Se pudesse, preferia nem andar nesses dias de preguiça. Mas não era uma preguiça sem sentido. Era uma preguiça diferente. Talvez só ele fosse capaz de compreendê-la. Num desses dias de preguiça, percebeu que pensava demais. Mais da metade de sua energia (que era muita) estava sendo gasta no campo do pensamento, das idéias, dos sonhos. Isso o alimentava, claro. Senão não pensava tanto. Na noite em que se deu conta disso, Pacheco sonhou. Que agia, que fazia isso e aquilo, que tinha uma lista de coisas feitas por ele. Somente por ele. E mais uma vez, sonhou...

segunda-feira, 14 de abril de 2008

leitura vespertina


A Gilberto Freyre (Carlos Drummond de Andrade)

Velhos retratos; receitas
de carurus e guisados;
as tortas Ruas Direitas;
os esplendores passados;

a linha negra do leite
coagulando-se em doçura;
as rezas à luz do azeite;
o sexo na cama escura;

a casa-grande; a senzala;
inda os remorsos mais vivos;
tudo ressurge e me fala,
grande Gilberto, em teus livros
.