Quando o táxi pegou a estrada de muitas curvas e vinhedos, paisagem típica da região do Douro, eu sabia que era
ele. Na noite anterior havia falado com a sua nora e avisado que faria uma
visita naquele domingo de sol com temperatura fria, como o do bons outonos.
Eu sabia que era ele porque,
apesar de ser mais alto do que o meu avô, seu jeito de andar e seu corpo eram,
digamos assim, da família. Naquele momento não passou pela minha cabeça que
poderia confundi-lo com algum outro morador daquela pequena vila, onde viviam
no máximo cem pessoas, na sua maioria idosos.
- Pode parar perto daquele
senhor, por favor. Pedi ao motorista de táxi, que por sinal também lembrava o
meu avô, não só pela forma de pronunciar as palavras, mas pelo jeito mais
inocente e humilde.
Quando o táxi parou no meio da
estrada, o tio Manoel virou-se e nos abraçamos como se já nos conhecêssemos
desde o dia em que eu nasci. Seus olhos encheram de lágrimas e os meus também.
Ao fundo, aquela linda paisagem do Douro, e o táxi parado a nossa espera. Daria
uma bela fotografia onde a legenda poderia ser o encontro. Reencontro não poderíamos chamar, pois nunca tínhamos estado juntos antes.
Seguimos caminhando pela
estranha, ele ainda bastante surpreso por receber a visita de uma sobrinha-neta
do Brasil, e eu mais ainda por estar vivendo algo que não foi tão planejado.
Comprei a passagem na noite anterior, viajei durante 5 horas para chegar numa
cidade onde a única referência que eu tinha era o nome da família e um
telefone. Mas, meu receio era de que
ninguém acreditasse na minha história.
- Olá, meu nome é Eny. Você não
me conhece, mas eu sou a neta do José Maria e estou aqui na cidade de Tabuaço.
Gostaria muito de conhecê-los, posso ir aí amanhã? – foi assim que eu fiz o meu
primeiro contato com a família, pelo telefone do hotel onde me hospedei na
praça principal da cidade.
A vila de Santa Leocádia, onde
meu tio Manoel morava com a família e onde meu avô nasceu, ficava a uns 15
minutos da cidade de Tabuaço. Passada a dúvida inicial deles me aceitaram como
da família ou não, naquele dia, virei atração na vila.
- Olha a menina brasileira!
Venham conhecer a menina brasileira! – diziam todos
Foram frases pronunciadas durante
toda a tarde. Confesso que me senti uma atração de circo. Já posso dizer que tive meus minutos de fama
na vida.
Conheci a casa onde o meu avô nasceu, a igreja em que ele foi batizado, todos os parentes possíveis da família,
que infelizmente não consegui gravar o nome de todos, e experimentei uma
infinidade de comidas, frutas, além de beber vinho, feito com as uvas ali do
quintal.
Antes do meu avô falecer, no meu
aniversário de 19 anos, era comum ele nos receber com um banquete:
vários tipos de pães, queijos e doces. Ele não era uma pessoa que dizia “eu te
amo”, por exemplo, mas para mim essa era a sua maior demonstração de amor e de
carinho.
Naquela tarde eu reconheci esse
jeito em todas aquelas pessoas que me receberam, além do meu tio Manoel. E
fiquei pensando que, por mais que a vida tome outro rumo - como no caso do meu
avó que deixou Portugal aos 20 anos e viajou quase dois meses num navio rumo ao
Brasil -, as nossas raízes permanecem. É como se elas fossem o nosso DNA de
alma.
Na segunda-feira de manhã, no
escritório, me perguntaram o que eu fiz no final de semana.
- Fui conhecer o meu tio-avô,
disse
- Não sabia que você tinha um
tio-avô, falou surpresa uma das colegas do trabalho
- Pois é. Acho que ele também não
sabia que tinha uma sobrinha-neta