terça-feira, 30 de junho de 2009

tentativa...

Chuva ácida? O que é isso? Eu era apenas uma criança de nove anos quando ouvi, pela primeira vez, esse conceito. Aula de ciências sociais (é, naquela época a disciplina de geografia recebia esse nome). A expressão saiu da boca de professora Flora, uma senhora de quase 50 anos, cabelos curtos tingidos de preto, óculos, roupas largas e odor de cigarro. Ela explicou, acredito que diversas vezes, o que era uma chuva ácida, mas só fui entender anos mais tarde. Quer dizer, a imagem que eu tinha de uma chuva ácida não era de todo errada, mas naquele momento não fiz associação alguma com meu futuro. Afinal, era uma pirralha e só queria saber de brincar. Espere, caro leitor. Isso não quer dizer que não estivesse nem aí para o meio ambiente. É que a forma como ela apresentou o assunto, digamos que foi chata. Não me lembro se Flora, que também é o coletivo de plantas, estava preocupada com isso. Desmatamento, queimada e aquecimento global foram outros temas ouvidos ali, naquela pequena escola estudual da zona norte de São Paulo. Esses assuntos pareciam tão distantes da minha realidade infantil! Estudava para as provas com base na decoreba.

- O que é chuva ácida?, perguntava para mim mesma em voz alta, na maioria das vezes em frente ao espelho de casa
- Chuva ácida é uma chuva formada por diversos ácidos que agridem o meio ambiente, respondia

Recebia um sinal de certo na folha da avaliação e pronto. Satisfação total. Passei de ano. Como vocês podem notar, o método de estudo que escolhi não foi um dos melhores. Ninguém é perfeito. Numa tarde dessas, lembrei de uma outra professora, a Mônica. Mais nova do que Flora e mais alta. Ah, e mais bonita também. Enfim, ela era a tia de português. Proparoxítona? Hã? Sujeito e predicado? E, podem acreditar, educação ambiental. Se dependêssemos dos homens que andam em carros com placas pretas, a nossa sala de aula seria encardida e fedida. Mônica sabia disso.

Logo nos primeiros meses de aula conversou com os alunos sobre a importância de manter a sala limpa e de jogar o lixo na lata feita especialmente para ele, que ficava atrás da porta. Eu entendi o recado. Achava feio quando via um sujeito na rua jogando lixo pela janela do carro. A professora notou que os alunos estavam empenhados e resolveu partir para a fase II de seu projeto ambiental. Sugeriu que todos trousessem um vaso pequeno para plantar alguma coisa. Pegamos terra da horta do caseiro da escola e Mônica trouxe as sementes. Que alegria a minha. Felicidade maior foi acompanhar o crescimento daquelas plantas ou melhor, daquela Flora.

Todo dia pela manhã, o sol entrava pelas grandes janelas e alcançava a prateleira onde os vasos foram colocados. Pois é, esqueci de contar. O pai de um dos alunos, que era marceneiro, gostou tanto da ideia que até quis colaborar. Fez uma prateleira de madeira e pintou de bege. Ela ocupava a parede inteira do canto direito da sala.

Tá, tudo bem. Eu sei que contei essa história com uma pitada de nostalgia. Sabe o que acontece? Quando abro o jornal ou ligo a televisão sou bombardeada por notícias que mostram aqueles conceitos que "aprendi" nas aulas de Flora. Confesso que me dá medo. Apenas ter medo não resolve, não é mesmo? Eu acredito na educação. Não na educação que se apoia em leitura de livros didáticos e na elaboração de perguntas alienantes. Antes que vocês pensem: não, não quero acabar com os livros didáticos. Todos nós sabemos que o meio ambiente precisa das crianças e elas também precisam dele. Essas pobres criaturas não conseguirão agir sem sentir no dia-a-dia o quanto a sua preservação é vital. Torço para que os pequenos tenham a mesma sorte que eu tive: a de conhecerem pelo menos uma Mônica. É isso aí.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

voz

sentimentos, sensações e desejos percorrem o interior de um megafone. espalham-se no ar. como não encontram abrigo seguro, caem. um a um no mar.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Livro, Leve e Solto

Rachel Mejlachowicz nasceu em Brasília. Advogada atuante, quando criança acompanhava a mãe em visitas a ongs, associações e bazares. Cresceu próxima a outra realidade e aprendeu o quanto o mundo é ambíguo. Há o sol e a lua. O preto e branco e o colorido. A dor e a alegria. Riqueza e pobreza. Adulta, sentiu vontade de continuar ajudando pessoas que não percorreram o mesmo caminho que o seu. Conheceu Maria Fernanda Paes de Barros, arquiteta, e juntas criaram, em agosto de 2008, o projeto Livro, Leve e Solto. "O objetivo é estimular crianças que moram em abrigos a ler, estudar e descobrir o mundo dar artes", explica Rachel. Esse desejo se concretiza quando espaços de leitura são construídos. E neles, por meio da contação de história, entram meninos e meninas de contos de fadas, animais, e um universo rico em fantasia, imaginação e criatividade. Todos os lares são mantidos pela Associação Maria Helen Drexel, uma entidade sem fins lucrativos, criada em 1973. O Livro, Leve e Solto já conseuiu espaço em três dos oito lares da associação. O último foi inaugurado no dia 30 de maio, onde tive a oportunidade de contar histórias para doze crianças. A famosa A festa no céu, de Câmara Cascudo (lembrei que tenho um disco com a música sobre essa história), e Os passarinhos, que colhi como sugestão no livro Ofício do Contador de História, de Gislayne Avelar Matos e Inno Sorsy, foram as histórias que levei aos pequenos.
- Eu gosto de coelho
- Eu gosto de gato
- Gato é mais bonito, disseram, após ouvirem a primeira história.
- Vamos fazer chover aqui na sala?, perguntei.
Mostrei uma técnica de percussão corporal, uma deliciosa brincadeira, e todos acompanharam. E não é que fizemos chover!
- Gosto do coelho porque o rabo dele é uma bolinha, explicou um dos garotos, que desenhou o bichinho pra mim.
Patricia, turismóloga e malabarista, mostrou o valor do equilíbrio e da concentração. Sem deixar a peteca cair, ou melhor, as bolinhas e os bastões, agitou e desafiou as crianças.

terça-feira, 9 de junho de 2009

palavras

queria mergulhar nas palavras. assim como os peixes do fundo do oceano, que nadam e vivem a procura de alimento ou sobrevivência, algo dentro de mim diz que preciso inspirar letras e significados. um mergulho intenso, que me leve a conhecer o formato, o gosto e o cheiro daquilo que nomeia o que sentimentos, pensamos e fazemos. ser possuída, degustada por elas. me falta coragem, me sobra insegurança. eu me coloco à disposição de vocês, doces e tenebrosas palavras. me transportem para o seu universo. o coração e a mente numa disputa infiel de espaço nesta vida. ele quer a expressão. ela a certeza, a exatidão. tudo é ilusão, mas fico com a primeira, pois assim consigo sentir. o que me dói, o que me atrai, o que me dá medo. preenche e esvazia. só quero caminhar por aqui. e que o amor seja a minha razão.

sangue

você só vai ali, eu sei. nunca te disse, mas gosto do seu jeito. entre diferenças e intrigas planejadas, a gente descobre o quanto se gosta. manias. palavras. histórias que ficam. estampadas em cada parede. é bom te admirar. olhar para você e enchergar algo meu. algo nosso. de família. de trajetória. mas, você só vai ali. é uma ponte atravessada. outro dia tentei lembrar da primeira memória que tenho de você. uma fotografia na sala.